O VÍCIO POLÍTICO
A alienação política é um comportamento extremamente danoso. A
renúncia à própria cidadania contribui inevitavelmente, em grau individual,
para a opressão coletiva de um povo. O analfabetismo político é, portanto, uma
limitação muito perniciosa.
A atitude de neutralidade política, do mesmo modo, é altamente
danosa. Pois, como observou o Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, quem é neutro,
diante de uma situação de opressão, optou pelo lado do opressor. Um exemplo
disso é a atitude de todos aqueles que, dizendo-se “apolíticos”, não quiseram
votar nas eleições e permitiram que o candidato fascista assumisse o poder. Na
sua suposta neutralidade, tornaram-se cúmplices da catástrofe que se seguiu.
Por outro lado, no pólo oposto da questão, o engajamento
ostensivo com os assuntos políticos pode ter também um efeito bastante
deletério. A política é o ópio dos engajados. É o que ocorre no meu próprio
caso.
De que forma uma politização acentuada pode ser prejudicial?
Em primeiro lugar, a política é como um jogo: há forças em
conflito, cada uma defendendo os seus próprios interesses. Essas forças se
fazem representar pelos partidos, os quais, nesta metáfora, seriam como
jogadores em contenda.
Qual o objetivo desse jogo? É a vitória dos próprios interesses.
Então, uma primeira conclusão a se tirar de tudo isso é que, no fundo, há um
desejo de poder que subjaz a todo esse processo, o qual visa a transformação do
mundo para atender às próprias demandas e necessidades.
Um viciado em jogos, contudo, sente-se completamente dominado
pelo seu vício: respira a política, vive atrás das últimas notícias, gasta
horas e horas ouvindo noticiários em busca das últimas novidades...
Eu, por exemplo, sou um terapeuta, filósofo, artista e escritor.
Não sou político nem pertenço a nenhum partido político. No fundo, o que
alimenta o meu envolvimento nesses assuntos é – percebi a dinâmica claramente –
um sentimento de onipotência, uma esperança de contribuir para a transformação
do mundo.
Contudo, ao lutar contra o partido adversário, deixo de
considerar os meus inimigos internos, minhas fraquezas, defeitos e vícios,
tornando-me refém deles e os retroalimentando. Definindo-me como um
progressista na política, como um esquerdista, acreditando defender uma causa
meritória, na verdade estou sendo um reacionário de minha evolução pessoal,
contrariando frontalmente o sábio conselho de Gandhi: “Seja a mudança que você
quer ver no mundo”.
Além de abortar em mim e desativar o desejo libertário de vencer
as minhas próprias fraquezas e defeitos, o jogo político realiza, pela sua
própria dinâmica, uma transferência e deslocamento para o outro desses defeitos
e mazelas: o partido adversário e seus candidatos são odiosos, degenerados,
ignorantes e maus. O outro torna-se uma projeção do meu lado mais sombrio e
torpe. Passo, na minha ignorância, a lutar contra mim mesmo no outro,
criticando-o e menosprezando-o sem saber que ele está a representar tudo o que
não gosto em mim. Sou vítima e algoz de um auto-engano criado por mim mesmo.
Assim, a vida vai passando e eu deixo de me dedicar a tarefas
realmente produtivas e úteis – como a prática mais intensiva de meditação, a
prática de esportes, o estudo da música, a vida social, a leitura, etc.
E aí voltamos ao dilema inicial: cair na alienação política e
ser subjugado, ou engajar-se e alimentar um auto-engano inútil?
A solução do conflito, penso eu, consiste em tentar descobrir e analisar as causas que levaram a esse vício (provavelmente de origem familiar) e procurar adotar a postura da raposa: ficar na espreita, atento aos acontecimentos mas não visceral e viciosamente engajado. Participar das manifestações sempre que possível, exercendo a própria cidadania, mas suprimindo e evitando a busca frenética de informações e as discussões estéreis.
A solução do conflito, penso eu, consiste em tentar descobrir e analisar as causas que levaram a esse vício (provavelmente de origem familiar) e procurar adotar a postura da raposa: ficar na espreita, atento aos acontecimentos mas não visceral e viciosamente engajado. Participar das manifestações sempre que possível, exercendo a própria cidadania, mas suprimindo e evitando a busca frenética de informações e as discussões estéreis.
E, sobretudo, ter o discernimento de diferenciar o que está e
não está sob o meu controle. Eu posso mudar a situação política do país? Ela
está sob o meu controle? Em caso positvo, preciso decidir o que posso fazer a
esse respeito e perceber o que, efetivamente, está dentro do meu raio de ação,
aprendendo a aceitar o que foge ao meu controle.
Estou preocupado com a situação política do país? Posso fazer alguma coisa a esse respeito, além de aprender a votar bem? Se a minha resposta for “não”, então devo ouvir menos as notícias terríveis dos telejornais, e focar mais a atenção naquelas atividades que efetivamente podem melhorar a minha vida e deixar-me feliz. Se acredito poder fazer algo a esse respeito, então poderia organizar grupos de encontro e conscientização, envolver-me em algum movimento social ou partido político. “Se você tem um problema e pode resolvê-lo, não se preocupe, resolva. Se você tem um problema e não pode resolvê-lo, de que adianta se preocupar?” (Ditado chinês)
Estou preocupado com a situação política do país? Posso fazer alguma coisa a esse respeito, além de aprender a votar bem? Se a minha resposta for “não”, então devo ouvir menos as notícias terríveis dos telejornais, e focar mais a atenção naquelas atividades que efetivamente podem melhorar a minha vida e deixar-me feliz. Se acredito poder fazer algo a esse respeito, então poderia organizar grupos de encontro e conscientização, envolver-me em algum movimento social ou partido político. “Se você tem um problema e pode resolvê-lo, não se preocupe, resolva. Se você tem um problema e não pode resolvê-lo, de que adianta se preocupar?” (Ditado chinês)
José Ramos Coelho – 22 de setembro de 2019.
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