quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (e similares)




A CRUELDADE SIMBÓLICA DO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO (E SIMILARES).

Tentarei fazer algumas considerações a respeito das implicações da formulação de diagnósticos em psiquiatria e demais disciplinas que seguem o mesmo protocolo. Estas reflexões certamente parecerão extremamente polêmicas ou mesmo absurdas àquelas mentes formatadas por um discurso cientificista e desumanizado. Mas as ciências da saúde estão sofrendo de um déficit crônico de sutileza – e esta carência está tendo consequências catastróficas para a vida e o futuro das pessoas.

Antes de tudo, é preciso fazer alguns esclarecimentos. Os sintomas médicos exigem e demandam um diagnóstico. Quanto antes ocorrer a prescrição do correto diagnóstico, tanto melhor para a eficácia do tratamento. Já os transtornos mentais, não. E aqui é preciso fazer uma diferenciação entre as doenças do cérebro – as quais podem ser tratadas com medicamentos ou cirurgia – e as “doenças” ou transtornos mentais, que demandam um protocolo diferenciado e um tratamento específico. Todo o esforço da psiquiatria e de boa parte dos neurocientistas é tentar demonstrar que os transtornos mentais são doenças ou desequilíbrios do cérebro. Conversa pra boi dormir.

Por que afirmo que o diagnóstico, no caso dos transtornos mentais, exige um tratamento diferenciado?
É que, em psiquiatria, o diagnostico vem sempre acompanhado de uma trilogia maligna: (a) descontextualização, (b) naturalização e (c) perenização do sofrimento psíquico.

A fim de ilustrar e embasar a argumentação, citarei dois casos clínicos – o de Roberta (fictício) e o de Márcia (real).

ROBERTA: Trata-se de uma adolescente que apresenta acessos freqüentes de fúria incontrolável. Seu comportamento tanto na escola quando em casa é caracterizado por atitudes ríspidas quando não extremamente agressivas. Além de não respeitar os pais e questionar-lhes a autoridade, por vezes quebra objetos e agride fisicamente a mãe. Ameaça fugir de casa ou se matar. Preocupada, a família a leva ao psiquiatra. Na consulta, após analisar os seus sintomas, ela é diagnosticada como portadora do Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). São-lhe prescritos ansiolíticos e calmantes.

MÁRCIA: Sempre fora muito apegada à família. Com a morte do pai, fica profundamente triste e desconsolada. Levam-na a um psiquiatra. Ela é diagnosticada como sofrendo de Depressão, e prescrevem-lhe três medicamentos. Ela começa a tomá-lo e sua vida piora a cada dia.  Sua relação como marido, que não ia bem, se deteriora. Eles se separam. Surgem os sintomas de pânico. Não consegue mais trabalhar. Vive durante dez anos afastada de suas atividades profissionais em função do pânico e da depressão. Freqüentemente padece de fome em casa por não conseguir atravessar a rua para comprar alimentos na venda da esquina. Chega ao consultório andando com dificuldade, amparada e auxiliada por dois familiares. Seus movimentos são lentos, sua voz carregada.    

    A) Descontextualização.
Ocorre quando se supõe que os transtornos mentais são decorrentes de alterações químicas no cérebro. Não há dúvida de que todo pensamento e todo sentimento vem acompanhado de uma alteração química no cérebro. Mas a alteração química explica o surgimento do pensamento, do sentimento e do transtorno? Não. E por que não? O motivo é que o surgimento de um hormônio ou substância no cérebro se dá por alguma razão. E esta é de ordem psíquica.

 Voltemos aos nossos exemplos. Roberta vivia com o padrasto e a mãe. O padrasto estava abusando sexualmente de sua enteada há meses. A mãe parecia não se dar conta do que se passava dentro de casa. Não havia intimidade entre a mãe e o padrasto. A mãe sofrera no passado de violência sexual, o que a fazia ter pavor de sexo. Desta forma, consciente ou inconscientemente, deixar de ser solicitada pelo padrasto foi para ela um alívio. A filha ensaiou denunciar os abusos que sofria à mãe, mas esta os desconsiderou. Foi aí que os acessos de raiva começaram.

 Já o calvário de Márcia teve início quando ela foi diagnosticada como deprimida, após a morte do pai. Sempre fora uma jovem dinâmica, independente e trabalhadora. Era para ela se sentir feliz com a morte da pessoa que mais amava? A sua tristeza foi patologizada.

Tanto num caso como no outro, o diagnóstico psiquiátrico operou um psicocídio: ao ser formulado, colocou “entre parênteses” todo o contexto que levou ao surgimento dos sintomas e transformou os seus portadores em coisas, em animais sem vida própria, sem história, sem fala e dignidade. O diagnóstico matou a subjetividade,  restando apenas um corpo com uma patologia.

B) Naturalização.
O ser humano é um animal cultural. Quando se supõe que um transtorno psíquico decorre de um desequilíbrio químico no cérebro, reduz-se o homem a um código de barras, a uma simples mercadoria, a uma coisa. Toda doença e principalmente todo transtorno decorre da confluência de múltiplos fatores. Quando a psiquiatria envereda por esse caminho reducionista sem escutar o sujeito e sem levar em conta o histórico de sofrimentos que se ocultam por trás do sintoma, morre enquanto tal. Converte-se em encefalatria.

C) Perenização.
Quando o psiquiatra enquadra, classifica e diagnostica, distancia-se inevitavelmente de uma postura terapêutica aberta, prospectiva e amorosa. Seu olhar é retrógrado e petrificador - petrifica o paciente num estigma, e congela o próprio olhar do psiquiatra no diagnóstico realizado num determinado momento, dificultando-lhe a percepção da evolução ou variação da sintomatologia do mesmo paciente ao longo do tempo, centrando-se no que já está posto, ou seja, atua no sentido de capturar o paciente numa classificação nosológica”. (A Tragicomédia da Medicalização: a Psiquiatria e a Morte do Sujeito, Segundo Ato, Das Classificações).

            Voltemos ao caso de Márcia, afastada do trabalho por uma Junta Médica há uma década. Quando, na segunda sessão, o terapeuta, através de um trabalho vivencial e reflexivo acerca do papel que ela estava representando na sua própria vida, a faz ver que ela estava assumindo um papel de vítima, de doente, acobertado e justificado pela psiquiatria, ela se DESCOLA do rótulo. Toma consciência que o rótulo a escava colocando numa jaula simbólica ad infinitum. Na terceira sessão, ela afirma: “Vou voltar a estudar! Vou pegar carona com a minha sobrinha, que passou no vestibular. Não vou perder essa oportunidade!”

            Nesta conformidade, ela se sentia “doente” simplesmente porque se colocava e aceitava o papel de doente. No momento que percebe que ela mesma alimentava aquele papel que a fazia vegetar, decide mudar. E volta a viver.

            Se o transtorno psíquico é causado por um desequilíbrio químico do cérebro, quando o tratamento vai acabar? Nunca se sabe. Supondo-se que a atividade cerebral seja regulada pela genética, a resposta é: nunca. O paciente precisa ser medicado para todo o sempre. E, mesmo que os sintomas estejam ausentes, pode ser prudente medicar-se “de forma preventiva” para evitar uma recidiva.

            Essa trilogia maligna é uma expressão inequívoca do processo de medicalização da vida. A Síndrome da Agressividade Intermitente poderia ser considerada uma piada, se não fosse uma tragédia.

            E aí, para finalizar, temos algumas possibilidades.

Primeira: Diagnóstico + medicação (sem tratamento).
            Esse procedimento é o mais usual, especialmente na rede pública. O sujeito vai ao psiquiatra e sai com um remédio na mão. Esse holocausto da subjetividade é perpetrado diariamente nos postos de saúde e rede pública.

Segunda: Diagnóstico + medicação + tratamento.
            Pode-se fazer uso do diagnóstico, ou seja, de um procedimento simbolicamente cruel, para a obtenção de dois direitos – o remédio e o tratamento psicológico. Isso funciona?
            Cito outro trecho (é longo, mas é importante):
(...) Ao medicar um paciente sob a alegação de ajudá-lo em seu tratamento, os psiquiatras não estão se colocando do lado daquele que sofre, mas sim a favor do pharmacolonialismo, que se move predominantemente na lógica do capital. Isto porque a medicalização suprime a ética do cuidado de si, a estética e a motivação que poderia levar à cura, sendo, portanto, inimiga da subjetivação.           
Com efeito, os medicamentos não funcionam da mesma maneira para todos. Os indivíduos são diferentes e reagem de forma desigual aos estímulos. Da mesma forma do que ocorre em relação à nutrição, onde um alimento saudável pode ser danoso para alguém que possua alguma rejeição aos ingredientes dele, os indivíduos apresentam reações diversas em relação a uma mesma droga. Uma substância administrada para amenizar a depressão pode, por exemplo, induzir ao suicídio a determinadas pessoas. Assim, o princípio ativo pode provocar reações inversas às pretendidas. Confiar num medicamento é sempre uma aposta perigosa e imprevisível.

O CORO: “O que é válido para alguns, pode não ser válido para todos.

Contudo, o discurso biomédico sustenta, e com razão, que o uso dos medicamentos, apesar dessas “anomalias”, dessas variações individuais indesejáveis, efetivamente funciona para um bom número de pessoas. Entretanto, como a medicação está dissociada de uma dietética existencial, ou seja, de um estilo de vida, quando o indivíduo é medicado (ou se automedica) e constata um efeito positivo no melhoramento dos seus sintomas, sente-se imediatamente autorizado a desequilibrar-se ainda mais, já que tem à mão um recurso que pode contornar e aliviar os excessos cometidos.O remédio converte-se na senha para empreender toda a sorte de desatinos[1].

Assim, por exemplo, um portador de diabetes, ao tomar um remédio que diminui as taxas de glicose no sangue, sente-se livre para abusar dos docinhos. Um viciado em bebidas alcoólicas, ao perceber que suas dores abdominais diminuem com um remédio para o fígado, permite-se abusar mais ainda do álcool. Ao receber um transplante de coração, um pedreiro, ao sair da sala de cirurgia, falou para um repórter: “Estou me sentindo tão bem que vou comemorar comendo um churrasco!

O mesmo vale para os psicofármacos: aquele que se sente ansioso, ao ver a sua ansiedade ser suavizada por um ansiolítico, permite-se adotar um estilo de vida mais agitado e frenético do que antes, graças às conquistas da farmacologia. Alguém que esteja triste pela perda de um ente querido, ao tomar um antidepressivo pode indefinidamente sentir-se propenso a apegar-se à lembrança do morto, cuja perda acha inaceitável e intolerável, impedindo-lhe a elaboração do luto. Ou seja, mesmo que funcione, o remédio ainda assim é danoso para um grande número de pessoas, já que o tratamento é focado nos sintomas e não em cima de suas causas que continuam ativas e atuantes, embora ocultas.

O CORO: “Quanto melhor o remédio, tanto pior será!

Porém, há ainda, por último, o restrito grupo daqueles que tomam um psicoativo e ele efetivamente funciona, os quais não se autorizam a praticar nenhum tipo de excessos, seguindo fielmente o protocolo médico prescrito. Benditos, esses bons pacientes! O sonho de todos os psiquiatras! Para esses, o medicamento, quando ingerido, age como uma máscara trágica a se interpor entre o sujeito e os seus sentimentos e emoções. A máscara dá a ele uma aparência de universal normalidade, e a sua individualidade é eclipsada por trás dela. E mais: ele não mais consegue sentir-se e perceber-se como outrora: o medicamento altera o seu humor, tornando-o “adequado” ou “saudável” dentro de normalizações socialmente determinadas.

A consequência desta acomodação clínica do sintoma é evitar que o indivíduo entre em contato com as verdadeiras causas de seu malestar. Ora, ora! Nenhum psiquiatra bem intencionado e esclarecido sustentaria que o remédio por si só possa resolver todos os males! O ideal é que ele venha acompanhado de uma psicoterapia a fim de reforçar e retroalimentar os efeitos positivos da medicação. Terapia e remédio, remédio e terapia: remédio para o corpo, terapia para a alma! No entanto, ao contrário de todos aqueles que pregam que a medicação e a terapia caminham muito bem juntas, na verdade a medicação é o maior empecilho para um efetivo avanço terapêutico. E o motivo é óbvio e irrefutável: nós nunca desejamos tanto estar saudáveis como ao nos sentirmos doentes; nós nunca desejamos tanto comer um alimento como quando sentimos nas vísceras a fome nos corroer por dentro; nós nunca ansiamos tanto por carinho como nos momentos em que nos sentimos sós e desamparados. Ora, se o medicamento diminui ou cessa o mal-estar, elimina também aquilo que poderia ser a motivação para a busca do bem-estar[2]. Se o medicamento minimiza o sofrimento, diminui também a capacidade de sentir prazer. Isto porque há uma harmonia entre os opostos em todas as coisas, e um oposto remete para o seu pólo oposto e complementar.

Terceira possibilidade: Diagnóstico + tratamento (sem medicação)
            É, na maioria dos casos, preferível a todas as outras. Evita os efeitos colaterais da medicação e não atrapalha no tratamento. Só em casos especiais não seria recomendável.

            Por fim, a guisa de conclusão, cito um trecho do livro “A Tragicomédia da Medicalização”, onde a violência simbólica do diagnóstico é resumida:   

“Eis – antecipando o que diremos ao longo deste opúsculo - as etapas da violência simbólica à qual o paciente é submetido: primeiro, ele é nomeado pelo diagnóstico como portador de algum distúrbio ou perturbação; segundo, pelo diagnóstico o rótulo adere ao paciente como um estigma, tal como as marcas de identificação apostas aos animais quando são ferrados; terceiro, ele é rebanhizado, ou seja, as referências se deslocam de sua personalidade individual e única para o rebanho anônimo e indistinto da categoria nosológica em que é agrupado. As consequências desta rebanhização são, de um lado, a despersonalização e perda de referenciais internos; e, de outro, a terapêutica medicamentosa indicada será aquela aplicável não ao indivíduo na sua singularidade, mas sim ao rebanho no qual ele foi inserido, ou seja, aplicar-se-á um remédio inespecífico para um indivíduo genérico que não existe enquanto tal”.

Em suma: a formulação precipitada de um diagnóstico para um transtorno psíquico é um desserviço àqueles que buscam o autoconhecimento e a autotransformação, tendo apenas uma função de viabilizar um controle biopolítico sobre os corpos e as mentes dos pacientes.

 José Ramos Coelho  



[1] “(...) a educação age sobre o nível de vida em uma proporção duas vezes e meia mais importante do que o consumo médico” – afirma Michel FOUCAULT, retomando a tese de Ivan Illich. – “Conclui-se que, para viver mais tempo, um bom nível de educação é preferível ao consumo médico” (2011, p.390)
[2] Com profunda sabedoria, pontifica o Dr. Edward BACH: “... a doença, posto que pareça tão cruel, é benéfica e existe para nosso próprio bem; se interpretada de maneira correta, guiar-nos-á em direção aos nossos defeitos principais. Se tratada com propriedade, será a causa da supressão desses defeitos e fará de nós pessoas melhores e mais evoluídas do que éramos antes. O sofrimento é um corretivo para se salientar uma lição que de outro modo não haveríamos de aprender, e ele jamais poderá ser dispensado até que a lição seja totalmente assimilada”. (2010, p.18). O combate precipitado aos sintomas está a serviço da manutenção da ignorância e da cegueira.  


Dicas de como lidar com a "depressão"

O QUE FAZER
O QUE DEVE EVITAR

Considerar a “depressão” como um sinal de que há algo errado consigo. Sua tarefa é descobrir o seu significado.

Ver a “depressão” como uma condenação, um castigo ou uma doença. É apenas um aviso. Este entendimento já é metade da cura

Ver-se a si mesmo como um sujeito capaz de assumir o controle da própria vida.
Colocar-se na posição de “coitadinho”, vítima ou paciente. Não usar a “depressão” como forma de obter atenção, cuidados ou meio de punir os outros.

Reconhecer que a tristeza ou a decepção fazem parte da vida. Aprender as lições que os revezes nos ensinam. 
Apegar-se indefinidamente à tristeza.

Reconhecer que você é mais do que os seus pensamentos ou sentimentos. Você transita por eles, mas eles não são você.
Ocupar toda a sua mente apenas com pensamentos tristes ou negativos. Acreditar que a tristeza domina toda a sua vida.

Crer no seu potencial de superação. Você é livre para sofrer ou para ser feliz.
Supor que você é um ser meramente bioquímico. E que a “depressão” é um desequilíbrio no seu cérebro.

Para sair da “depressão”, é preciso ter a coragem de enfrentar o que a provocou. Deparar-se com a sua causa e ressignificá-la. O tempo por si só cura muita coisa; mas para otimizar a cura, compartilhar a própria dor com outros capazes de compreende-la é o melhor remédio.  
Tomar “antidepressivos”. Eles aliviam o sofrimento, mas eliminam também a motivação para a cura.


José Ramos Coelho

AUTOBIOGRAFIA EM CINCO CAPÍTULOS

I)
Ando pela rua
Há um buraco fundo na calçada
Eu caio
Estou perdido... sem esperança.
Não é culpa minha.
Leva uma eternidade para encontrar a saída.

II)
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim leva um tempão para sair.

III)
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Vejo que ele ali está
Ainda assim caio... é um hábito
Meus olhos se abrem
Sei onde estou
É MINHA culpa.
Saio imediatamente.

IV)
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada
Dou a volta.

V)
Ando por outra rua.


        SOGYAL RINPOCHE, in: O Livro Tibetano do Viver e do Morrer.

O PODER DO PERDÃO. Resumo do livro de Fred Luskin.

PERDÃO

         Imagine uma tela de radar abarrotada à frente de um controlador de vôo estressado. Visualize o caos na sala e a confusão de aviões na tela. Agora imagine que suas mágoas não-resolvidas são os aviões visualizados na tela, voando em círculos há dias e semanas sem fim. A maioria dos outros aviões já pousaram, mas suas mágoas não-resolvidas continuam a ocupar um precioso espaço aéreo, exaurindo os recursos necessários em caso de emergência. A presença dos aviões na tela o obriga a trabalhar com mais intensidade e aumenta as chances de acidente. Os aviões da mágoa se tornam uma fonte de estresse e o resultado é, muitas vezes, um apagão.

Como é que os aviões chegaram lá?
(1) Você assumiu algo em termos muito pessoais; (2) você continuou a culpar a pessoa que o fez sofrer pelo fato de se sentir mal; e (3) você criou uma história sobre a mágoa.
         Antes de tudo, vamos procurar entender como surge uma mágoa. Ela surge quando as duas coisas descritas a seguir ocorrem simultaneamente. A primeira: algo acontece em nossas vidas que não queríamos que acontecesse. A Segunda: lidamos com esse problema pensando muito a seu respeito, ou, falando de outro modo, alugando um espaço muito grande na mente para o desapontamento.
       De que maneira se pode sofrer, mas sem conservar uma mágoa latente? Em algum momento da vida, cada um de nós foi ferido ou maltratado por alguém. Mas algumas pessoas reagem melhor do que outras. Algumas falam sobre suas feridas durante muito tempo e outras as tiram logo da mente. Se você for uma pessoa que não esquece aquilo que o fez sofrer, então você está alimentando uma mágoa.
         Uma mágoa surge porque algum acontecimento ou coisa que realmente esperávamos que acontecesse não se concretizou ou, o que dá no mesmo, algo aconteceu que não desejávamos que acontecesse. Em ambos os casos nasceu uma mágoa, já que algo na vida se desenrolou de modo muito diferente ao da expectativa. Diante do inesperado não temos a habilidade de controlar os sentimentos.
         P. ex., a sua companheira diz que quer terminar um relacionamento que você deseja continuar. Ela pede para que você se mude e tire as coisas da casa. Você não conseguiu ter o relacionamento de longo prazo desejado.
         Ou: a sua mãe vivia muito ocupada e não lhe dava muita atenção. Enquanto você crescia, ela parecia mais preocupada com as necessidades dela do que com as suas. Quando adulto, você tem dificuldades em estabelecer relacionamentos satisfatórios e, provavelmente, terá de aprender a ser pai ou mãe por si.
         Freqüentemente, as pessoas ficam deprimidas ou com raiva se vivem uma experiência dolorosa. Elas se agarram a suas reações iniciais porque não entendem que a especificidade do que ocorreu pode ser menos importante do que aprender a maneira de lidar com as suas reações a respeito da experiência.
         A mágoa surge se a pessoa não consegue lidar bem com o fato de não conseguir o que deseja e, depois, aluga um espaço muito grande em sua mente para um fato injusto.
         Ao encontrar Carla pela primeira vez, ela falou sem parar sobre os horrores da sua vida com o ex-marido. Os casos extraconjugais do marido dominavam sua conversa. Ela se esmerava em qualquer conversa a respeito de pessoas insensíveis, e aproveitava a oportunidade para introduzir nessa conversa a questão de como seu ex-marido era medonho. Ao ouvi-la, podia-se imaginar que o marido abandonara Carla recentemente; na realidade, isso acontecera há cinco anos. Carla nunca mais voltou a se juntar ao seu ex-marido, mas ainda alugava a melhor parte da sua mente para ele. Sendo assim, ela ainda continuava vivendo junto com ele. Duvido muito que Carla pensasse tanto assim nele no tempo em que eram casados.
         Você é como Carla? Você fala repetidas vezes a respeito do que lhe aconteceu? Você deixa sua mente se fixar na sua mágoa muitas vezes durante o dia? Você se cansa de escutar outras pessoas repetindo a mesma história?
         Se você for capaz de enxergar sua mente como sua casa, poderei lhe ensinar a controlar a quantidade de espaço que você aluga para suas mágoas e feridas. Você é o proprietário; você fixa o aluguel. Cada um de nós decide quem são os inquilinos e as condições dos seus aluguéis. Que tipo de acomodação queremos dar para as feridas e mágoas?
         Podemos permitir que as mágoas espalhem suas coisas em todos os aposentos da casa, ou podemos oferecer para elas apenas um pequeno quarto dos fundos. Em outras palavras, temos de formular a seguinte questão: quanto tempo vamos gastar pensando a respeito dos sofrimentos e desapontamentos? E, quando pensamos neles, quanta intensidade devemos investir nisso?
         Freqüentemente pergunto às pessoas o motivo pelo qual não pensam ou falam a respeito da sua boa sorte com a mesma energia que pensam ou falam a respeito de sua má sorte. Essa questão sempre pega as pessoas de surpresa. Raramente, elas avaliam sua boa sorte como uma alternativa igual à obsessão que dedicam à má sorte. Você, ou alguém do seu conhecimento, aluga mais espaço para o que está errado do que para o que está certo?
         A tela da mente é igual a tela da tevê que comandamos pelo controle remoto. Podemos assistir canais dedicados a filmes de horror, ao sexo, a novelas e à mágoa, assim como canais que transmitem as belezas da natureza e a cordialidade das pessoas. Qualquer pessoa pode sintonizar o canal da mágoa ou o canal do perdão. Faça-se a seguinte pergunta: o que está passando no meu canal hoje? Seu controle remoto está sintonizando os canais que o ajudarão a se sentir bem?
         Nesse instante, peço-lhe para revisitar uma ferida pessoal. Desse modo, podemos ter uma idéia de como isto está afetando sua vida agora. Comece o processo fechando os olhos e pensando a respeito da situação dolorosa por alguns minutos. Depois de ficar claro para você o que aconteceu, pense ou escreva um resumo a respeito da experiência. Conte a história sobre o que aconteceu, no papel ou na sua cabeça.
         Agora veja o que acontece quando você pensa sobre essa situação hoje, por exemplo. Investigue os pensamentos mais freqüentes que você tem sobre o que aconteceu. A seguir, reflita como você se sente quando pensa no problema. Finalmente, pense a respeito do modo como seu organismo reage quando você revisita o sofrimento.
         Depois de você Ter gasto um certo tempo para considerar suas respostas, contemple as seguintes questões:
1.     Você pensa sobre essa situação dolorosa mais do que pensa nas coisas boas da sua vida?
2.    Ao pensar sobre essa situação dolorosa, você fica fisicamente indisposto ou emocionalmente perturbado?
3.    Quando pensa sobre essa situação, você tem os mesmos e antigos e repetidos pensamentos?
4.    Você se pega contando a história sobre o que aconteceu repetidas vezes na sua mente?
Se você respondeu com um sim a qualquer uma das quatro questões, provavelmente você criou uma mágoa que está alugando um espaço muito grande na sua mente. Se respondeu com um sim a qualquer uma das quatro questões, provavelmente você tem uma mágoa que pode ser curada.

ASSUMINDO AS COISAS EM TERMOS MUITO PESSOAIS: primeira etapa da criação de uma mágoa.
         Todos nós já percebemos que algumas pessoas lidam com circunstâncias dolorosas desenvolvendo mágoas, enquanto outras pessoas não as desenvolvem. Cada um de nós conhece alguém que simplesmente não se aborrece com coisa alguma. Algumas pessoas são capazes de se adaptar à dificuldade, enquanto outras permanecem atoladas nela durante anos. Freqüentemente as pessoas se perguntam se a razão pela qual se abalaram é porque aquilo que as fez sofrer foi pior do que fez sofrer outras pessoas. Ou concluem que se sentem tão mal porque são mais sensíveis do que as outras pessoas.
         Embora cada uma dessas hipóteses tenha seu mérito, afirmo que o surgimento de uma mágoa segue aquele processo simples que citamos em três etapas (assumir uma afronta em termos muitos pessoais, culpar o autor da afronta por como você se sente e criar uma história sobre a mágoa).
         Ficar magoado não é sinal de fraqueza, estupidez ou falta de auto-estima. Muitas vezes, significa simplesmente que falta treinamento de como fazer as coisas de outro modo.
         O aprendizado de lidar com sofrimentos, ofensas e desapontamentos com mais habilidade não impedirá que as coisas possam correr mal na vida. As pessoas continuam sendo pouco amáveis, e casos fortuitos podem ainda fazê-lo sofrer. O mundo está repleto de sofrimento e dificuldade, e só porque você aprendeu a se adaptar melhor não significa que os problemas acabaram. O que irá mudar, porém, é o espaço que você aluga para eles em sua mente e a quantidade de raiva, desesperança e aflição que você sente. A vida não é perfeita, mas você pode aprender a sofrer menos. Você pode aprender a perdoar, e pode aprender a se curar.  
Todos os casos dolorosos da vida apresentam caráter tanto pessoal quanto impessoal. A história de Maria nos ajuda a diferenciar entre o pessoal e o impessoal, e mostra como o enfoque exclusivo no pessoal cria uma mágoa.
         Maria é uma mulher de 50 anos, que luta contra a depressão e a baixa auto-estima. Ela localiza a origem dos seus problemas emocionais na sua educação de criança. Filha única de um casal preso em um casamento sem amor, Maria cresceu sob os cuidados de uma mãe fria e ocupada com outras coisas. Ela se sentia amada por seu pai, mas ele raramente ficava em casa, pois era militar, e a família mudava com freqüência. Maria se recorda do que sentia ao chegar em casa sabendo que ninguém estaria ali para cuidar dela.
         Maria ainda se queixa para o marido e os amigos que sua mãe não a amou o suficiente. Atualmente, a mãe de Maria tem mais de oitenta anos, e, antes da morte dela, Maria ainda espera conseguir o amor que não teve.  
         Maria, com 50 anos, ainda assume em termos pessoais a rejeição materna e por causa disso continua a sofrer. Maria tem uma ferida com 40 anos de cidade. O abandono que ela sente é pessoal porque Maria ainda deseja o amor da sua mãe, enquanto muitas vezes rejeita o amor oferecido por seus filhos e pelo seu marido. O abandono é pessoal porque Maria se sente solitária em sua falta de amor e aluga um espaço muito grande na sua mente para sua solidão.
         Cada caso doloroso da vida apresenta um elemento pessoal e um elemento impessoal, e Maria não aprendeu a encontrar a perspectiva impessoal.
O caráter pessoal refere-se ao fato de que a mãe de Maria não deu o amor que a filha queria. Além do mais, a mãe de Maria ainda não oferece a atenção que ela anseia. Isto está acontecendo para Maria e para ninguém mais.
Quando criança, Maria, de modo legítimo, assumiu em termos pessoais a indiferença materna. Infelizmente, quando adulta, ela continua a fazer isso.
Quando algo doloroso acontece para alguém, conseguimos sentir o caráter impessoal da afronta, e raramente sentimos uma dor pessoal. Diariamente, quando lemos o jornal ou assistimos à tevê, tomamos conhecimento das diversas pessoas que passam por tragédias ou sofrimentos. Em cada cidade do país, pessoas definham em hospitais e asilos sem que ninguém se preocupe com elas.
Não podemos sentir pessoalmente o impacto de cada uma dessas desgraças. O fato de ignorar, ou de ser indiferente a algumas desgraças, reflete a compreensão de que talvez não possamos lidar com todo o sofrimento do mundo. Sabemos que o sofrimento impessoal está em toda a parte.
O desafio é localizar o elemento impessoal do sofrimento quando a rejeição, os maus-tratos e as afrontas acontecem para nós. Em vez de nos sentirmos sós no sofrimento, devemos lembrar o fato de que muitas outras pessoas também têm pais desalmados ou negligentes, o que significa que os próprios maus-tratos não são só pessoais. Maria não vê que é comum tanto ter pais negligentes, como sofrer com isso. Se conseguisse perceber alguma dessas coisas, Maria encontraria o caráter impessoal do seu sofrimento.
Devido ao fato de sentir tanto sofrimento, Maria age como se sua mãe a fizesse sofrer intencionalmente. A mágoa dolorosa e tão duradoura de Maria é conseqüência direta da sua incapacidade de entender o caráter impessoal da sua ferida.
COMO DESCOBRIR O IMPESSOAL NO SOFRIMENTO
Para Maria, assim como para cada um de nós, o caráter impessoal do sofrimento pode ser desvendado de dois modos. O modo mais fácil é perceber o quão comum é cada experiência dolorosa. Nada que nos acontece é exclusivo; isso é um fato da vida. Se você lembrar que é apenas uma das duzentas pessoas assaltadas na sua comunidade, é difícil assumir o fato em termos pessoais. Ao examinar com atenção, sempre podemos encontrar ao menos dez pessoas que sofreram do mesmo modo. A grande e diversificada quantidade de grupos de apoio espalhados pelo país comprova tal fato. Lembrar o quão comum é o nosso sofrimento pode fazer parecer que a dor está sendo banalizada, mas vale a pena assumir esse risco para não sofrermos tanto.
O segundo modo para desvendar a dimensão impessoal do sofrimento é entender que a maioria das afrontas é cometida sem a intenção de fazer alguém sofrer pessoalmente. A mãe de Maria não quis arruinar a vida da sua filha. Ela era incapaz de amar a filha devido a uma infinidade de fatores. Ela casou muito jovem para escapar dos abusos do pai, assumindo um matrimônio infeliz. Seu marido se mudava com freqüência, o que tornava difícil fazer amizades. Além disso, o marido era louco por Maria, e ela sentia ciúmes.
Muitas das afrontas que sofremos não tinham a intenção de nos ferir. Algumas tinham, mas são raras.
Porém, Maria se ajudaria se aprendesse algo a partir da crueldade de sua mãe, de modo a não repetir esses erros. Quando conheci Maria, ela estava reproduzindo a frieza da sua mãe com seus próprios filhos. Sua dor e solidão eram tais que muitas vezes ficava esgotada com sua própria perda, sem conseguir oferecer qualquer amor ou afeto. Maria também não tinha a intenção de fazer seus filhos sofrerem, mas suponho que ela lhes causava bastante dor.
Se não conseguimos reconhecer o caráter impessoal, fixamos uma etapa para a criação de uma mágoa.
Maria afirma que a negligência dos seus pais arruinou sua vida, e tal experiência é intensamente pessoal para ela. Para um sociólogo que realiza um trabalho sobre negligência dos pais, Maria pode ser apenas mais um objeto de estudo entre três mil mulheres.
O sociólogo enxerga o sofrimento de Maria como algo impessoal; para Maria, seu sofrimento é pessoal. Os dois pontos de vista são válidos. Cada um deles representa uma maneira diferente de perceber a mesma situação. As pessoas lidam melhor com as afrontas quando conseguem ver os dois pontos de vista. Quando você identifica a dimensão impessoal depois de enfocar apenas sua dor pessoal, descobre que seu sofrimento específico não tem de incapacitá-lo.
Quando reagimos a coisas que aconteceram para nós ou para outros, desejamos ser capazes de reconhecer o sofrimento, mas sem ficarmos presos a ele. Isso é mais fácil de ser feito em relação aos sofrimentos alheios, mas também é possível com os nossos sofrimentos. Acredito que nos livramos com mais facilidade das afrontas quando somos capazes de reconhecer o dano causado. Ao mesmo tempo, quero que cada um de nós possa dizer que o que aconteceu não foi uma desgraça exclusiva, mas o início de uma nova história de perdão e cura.
Depois que Maria percebeu o caráter impessoal, ela não renegou o impacto do caráter pessoal. O pessoal e o impessoal convivem lado a lado.
O enfoque no caráter pessoal do sofrimento é a primeira etapa na criação de uma mágoa. Como Maria ignorou o caráter impessoal da maneira pela qual sua mãe fria e negligente a tratou, continua a sofrer quarenta anos depois.
O vínculo entre o fato de assumir as coisas em termos muito pessoais e o fato de por em risco a saúde é a Segunda etapa no processo relativo à mágoa. Colocamos a saúde em risco quando culpamos o autor da ofensa por como nos sentimos, piorando uma situação já ruim.

O JOGO DA CULPA      
Quando algo nos faz sofrer e perguntamos a nós mesmos; “De quem é a culpa?”, e, em seguida, teimamos que a razão do sofrimento reside em alguma outra pessoa, entramos na segunda etapa do processo relativo à mágoa. Estamos fazendo o jogo da culpa: isto é, estamos culpando, acusando ou responsabilizando alguém pelos nossos infortúnios. Isso é um problema, porque quando a causa do sofrimento se situa fora de nós, também vamos olhar para fora em busca da solução.
Taumaturgo é um homem de trinta e cinco anos que descobriu que sua esposa estava tendo um caso. Quando descobriu que Elaine o estava enganando, ficou furioso e pediu o divórcio.
Agora, quando fala a respeito da ex-esposa, Taumaturgo afirma que ela tentou arruinar sua vida. Diz que ela tinha medo das relações íntimas e o fazia sofrer intencionalmente. Taumaturgo adotou a hipótese da culpa para explicar a dor que continua a sentir.
Podemos aprender a formular hipóteses que nos motivarão a melhorar nossas vidas e, desse modo, curar os sofrimentos. Isso é o oposto do ato de atribuir culpa. Quando culpamos alguma pessoa pelos problemas, permanecemos paralisados no passado e o sofrimento aumenta. Infelizmente, ignoramos o quanto limitamos as chances de cura quando culpamos alguém.
Ao se fazer o jogo da culpa, oferecemos o pior tipo de hipótese relativamente ao motivo pelo qual sofremos. Em geral, a hipótese da culpa é garantida para nos fazer sofrer, sofrer e sofrer, até que adotemos outra hipótese.
O sedutor a respeito do jogo da culpa é que, de início, você pode se sentir melhor. Você pode sentir alívio a curto prazo, porque o sofrimento é responsabilidade de alguém. A longo prazo, porém, os sentimentos favoráveis desaparecem e você começa a se sentir desamparado e vulnerável. Apenas você é capaz de tomar as medidas que lhe permitirão sentir-se melhor.
Taumaturgo não sabe exatamente porque ainda sofre tanto. Sua hipótese é que sofre porque sua esposa desejava magoá-lo e, assim, trocá-lo por outro homem. Ele culpa sua ex-esposa por sua dor.
Embora sem isentar sua esposa da responsabilidade por seu comportamento, contesto a teimosia de Taumaturgo ao afirmar que a ex-esposa está causando seu sofrimento no presente. Não faz sentido Taumaturgo fazer o jogo da culpa, porque em vez de fazê-lo se sentir melhor, o jogo da culpa o faz se sentir pior. Sua esposa do passado permanece no governo do seu bem-estar presente.
 Minha hipótese a respeito de o que aflige Taumaturgo é que ele está alugando um espaço muito grande em sua mente para sua ex-esposa. Ele está fazendo algo na sua vida cotidiana que leva ao seu atual sofrimento. O ato de atribuir culpa levado a cabo por Taumaturgo está lhe fazendo sofrer. Se ele reduzir esse processo, sua dor diminuirá. Ele é o único responsável pelo modo como se sente no presente. Em vez de atribuir a culpa pelo seu sofrimento à sua ex-esposa, Taumaturgo deveria formular a seguinte questão para si: “O que devo aprender para me ajudar a sofrer menos?”
Quando pensamos sobre um sofrimento, o organismo reage como se estivesse em perigo e ativa o que se conhece como a reação lutar-ou-fugir. O organismo libera substâncias químicas cujo objetivo é nos preparar para reagir ao perigo por meio da luta ou da fuga. São liberadas substâncias químicas associadas ao estresse. Elas têm o objetivo de nos deixar pouco à vontade, para que façamos alguma coisa que nos livre do perigo.
Essas substâncias químicas chamam a atenção por provocarem mudanças físicas. Elas fazem o coração bater mais rápido e os vasos sangüíneos se contraírem, elevando a pressão arterial. O fígado descarrega colesterol na circulação sangüínea, prejudicando o coração. As substâncias químicas associadas ao estresse alteram a digestão e fazem os músculos se retesarem. A respiração fica menos profunda, e os sentidos se avivam para fazer frente ao problema. A digestão é interrompida e o fluxo do sangue desviado para o centro do organismo. Nós nos sentimos nervosos e indispostos.
A maioria de nós responsabiliza a pessoa que nos faz sofrer por essa reação desagradável do organismo. Quando fazemos isso, estamos compactuando com o jogo da culpa, mantendo-nos paralisados e impotentes por um longo tempo.
Quando você pensa em alguém que o fez sofrer profundamente, seu sistema nervoso simpático se põe em ação. O sistema nervoso simpático é o ramo do sistema nervoso autônomo cujo objetivo é impulsionar o organismo a nos proteger do perigo. O sistema nervoso autônomo controla os órgãos internos, como o coração, os músculos lisos e o aparelho respiratório. O sistema nervoso autônomo possui um outro ramo, denominado sistema parassimpático, que nos acalma passado o perigo. Esses dois sistemas estão sempre funcionando. Quando um perigo se apresenta, o sistema simpático é acionado e controla a reação lutar-ou-fugir. Quando o perigo passou ou estamos relaxados, o sistema parassimpático controla a ação e nos acalma.
A reação lutar-ou-fugir referente ao sistema nervoso simpático é rápida e previsível. O problema é que essa reação nos dá apenas duas opções: dominar  combatendo ou fugir. Podemos querer pagar a pessoa que nos fez sofrer com a mesma moeda. Podemos querer que a pessoa sofra da mesma maneira que sofremos. Alternativamente, podemos não querer nunca mais voltar a ver aquele que nos magoou. Podemos tentar nunca mais pensar nessa pessoa. Embora essa ação de assumir algo em termos muito pessoais seja comum, ela é, principalmente, resultado das substâncias químicas associadas ao estresse percorrendo o organismo. São reações primitivas, não o resultado de um pensamento cuidadoso ou produtivo. O problema é que as opções que essas substâncias químicas associadas ao estresse nos oferecem são inadequadas em nos ajudar a recuperar o controle da vida emocional.
Para piorar as coisas, a reação lutar-ou-fugir altera a capacidade de pensamento. Parte do trabalho das substâncias químicas associadas ao estresse para nos proteger do perigo limita a quantidade de atividade elétrica disponível para a parte pensante do cérebro. Essas substâncias também desviam o fluxo sangüíneo do centro do pensamento do cérebro para partes mais primitivas do mesmo. Ao dizer que está muito perturbada por causa de sua mãe e não consegue nem mesmo pensar direito, Maria está falando a verdade. Quando você se frustra porque pensa a mesma coisa repetidas vezes a respeito de suas mágoas, há um motivo.
O maior erro que cometemos enquanto estamos sob a influência das substâncias químicas associadas ao estresse é culpar a pessoa que nos fez sofrer pela aflição. Quando culpamos outra pessoa pela maneira como nos sentimos, concedemos a essa pessoa o poder de controlar as nossas emoções. Com toda a probabilidade, esse poder não será usado com sabedoria, e continuaremos sofrendo. A quantidade de pessoas que transfere o poder para gente que está pouco se importando com elas é tremendamente alta.
Sentir-se mal sempre que pensamos a respeito da pessoa que nos fez sofrer torna-se um hábito, fazendo-nos sentir como a vítima de alguém mais poderoso. Sentimo-nos impotentes porque somos constantemente lembrados, tanto na mente quanto no corpo, de quão mal nos sentimos. Quando culpamos o autor da afronta por essa normal reação de proteção, cometemos um erro. Esse erro retira a chave do alívio das suas mãos e a coloca nas mãos de outra pessoa.
Durante o período de crescimento, Paulo foi tratado de modo terrível por sua mãe alcoólatra e por seu pai abusivo e ausente. Ele se lembra de sua mãe desfalecida no sofá e do embaraço que sentiu quando os amigos chegaram para visitá-lo. O seu pai chegava em casa e sempre brigava com a mulher, e depois agredia Paulo. Quando Paulo estava com dezesseis anos, fugiu de casa. Então, não recebeu mais nenhuma atenção dos pais, pois nenhum dos dois respondia aos seus apelos ou cartas.
Juntando o insulto à injúria, a mãe de Paulo o culpava pela desintegração da família. Paulo ligava para ela, e a mãe lhe dizia o quanto fez o pai sofrer, além de ter dividido a família. Na última conversa telefônica, gritou com ele, acusando-o de ter desintegrado a família: pouco tempo depois, ela morreu.
Embora sinta empatia em relação às terríveis experiências da infância e início da idade adulta de Paulo, pergunto se faz algum sentido culpar sua mãe por sua atual raiva. Sua mãe era indiferente e muitas vezes cruel, porém, recém-falecida, não poderia mais mudar as coisas. Paulo permanece ligado a ela, pois a culpa pelos fracassos da sua vida e por sua raiva crônica. Mesmo mais arrefecido, Paulo continua a transferir seu poder para alguém que foi cruel e que, mesmo no final da vida, não teve vontade nem capacidade de mudar.
Percebo continuamente que a experiência de Paulo é muito comum. Conheço diversas pessoas que transferem seu poder para pessoas que foram cruéis com elas. Formulo a seguinte questão: quantos transferem o poder a um sócio que tem más intenções ou a uma namorada que o enganou? Quantos de vocês conhecem pessoas que olham mais para trás do que para a frente? Quantos passam anos alugando um espaço muito grande na mente para mágoas passadas?
Pense no sofrimento desperdiçado que você desenvolveu por se ligar pela culpa a pessoas que não ligam para você. Esse sofrimento é o poço sem fundo que aguarda aqueles que fazem o jogo da culpa.
Cada uma dessas pessoas se manteve presa a algum tipo de problema, culpando um outro por seu contínuo sofrimento. Todas ficaram ligadas durante anos à pior parte de suas vidas. Ao tentar solucionar o problema referente a um sofrimento imerecido, todas, na realidade, pioraram o problema. O problema dessas pessoas era o seguinte: como viver suas vidas, curando-se e seguindo adiante. Elas tentaram uma solução: culpar, acusar ou responsabilizar uma outra pessoa; mas isso só as manteve paralisadas. Conversou-as em relacionamentos com pessoas que as fizeram sofrer e prolongou sua impotência e sofrimento.
É difícil se livrar do sofrimento diante da crueldade das pessoas. Repetidas vezes, tenho notado que o perdão concede essa habilidade. O perdão nos permite recuperar o poder que está nas mãos das pessoas que continuam a nos fazer sofrer mediante nosso uso da culpa ou da ofensa pessoal. Ficar ligado a pessoas que foram pouco amáveis, assumindo as coisas em termos muito pessoais, é a primeira etapa num processo no qual reforçamos a mágoa que aparece quando não conseguimos o que queríamos. A culpa é a segunda etapa. A terceira é criar uma história sobre a mágoa.
A HISTÓRIA SOBRE A MÁGOA.
A maneira pela qual construímos uma história tem conseqüências para nosso bem-estar. Quando falamos sobre mágoas ou feridas, o modo pelo qual criamos a história terá máxima importância.
A história põe em uma seqüência o que nos aconteceu e nos permite descrever os sentimentos. Oferece um comentário sobre os fatos e permite que a ação das pessoas seja interpretada. Ainda mais importante: a história permite que afirmemos qual é o significado da experiência para nós. Para fazer isso, temos de decidir que fatos destacar e que fatos minimizar ou pôr de lado. Qualquer de nós pouco sabe da conseqüência em relação ao que decidiu destacar, interpretar e omitir no relato. Pouco sabemos do possível dano se o relato torna-se uma história sobre a mágoa.
Você pode não Ter considerado que a história que relata surge da selação de um conteúdo entre uma vasta gama de possíveis experiências. Você pode não Ter considerado que houve uma tomada de decisão, ou que há infinitas maneiras de descrever uma situação. Você pode não Ter percebido que o principal propósito da sua história é auxiliá-lo a entender o que houve. O objetivo principal de qualquer história é ajudá-lo a pôr em contexto o ocorrido. O objetivo secundário é a descrição simples dos fatos.
Não há história que relate exatamente aquilo que se origina de todos os pontos de vista. Não há uma única história verdadeira, mas muitos pontos de vista. Sua história reflete seu ponto de vista e, além disso, comunica um tema. Ao escolher seu tema, você muitas vezes tem de optar entre o papel de herói ou vítima, ou descrever outras pessoas como heróis ou vilões. As vezes, o ponto principal da sua história é o quão bem você se comportou; algumas vezes, envolve promover suas habilidades. Outras vezes, o ponto principal de sua história inclui a narrativa em detalhes de quão ruins as coisas estão.
A história pode ser conservada para si ou dividida com os outros. Só porque você não conta para ninguém não significa que você não tenha um modo particular de falar para si sobre o que aconteceu. Para cada coisa que acontece, você cria uma história. Essa história, a freqüência pela qual você a conta, para quem você a conta e de que maneira a conta afetam dramaticamente sua vida. O tipo de história que você relata determina como se lembra do episódio e como ele afeta sua vida.
         Freqüentemente, por meio do relato da história, nos ligamos de modo negativo a uma situação prejudicial que nos afetou. O perigo é que podemos nos habituar a contar a história desagradável, que assumimos em termos muito pessoais, e então culpar a outra pessoa por algo feito no passado. Pintamos o quadro da impotência em virtude da crueldade de alguém. Ao fazer isso, criamos uma história sobre a mágoa.
         Um estudo revelou que a história que se relata a respeito do sofrimento muda se a pessoa foi autora ou vítima da afronta. Numa pesquisa, alguns psicólogos pediram aos entrevistados para que respondessem um teste que descrevia uma situação banal – um acidente de carro – em que uma pessoa machucava outra. Nesse teste, havia uma pessoa que evidentemente era a vítima, mas os entrevistados recebiam apenas detalhes parciais. Os psicólogos então pediram para que os entrevistados criassem uma história que incluísse detalhes do seu ponto de vista pessoal. Eles podiam se expressar tanto como autores quanto como vítimas do acidente.
       Os entrevistados podiam descrever o que houve antes do acidente, o que os envolvidos estavam pensando ou qualquer outra coisa, como as condições meteorológicas ou de trânsito. A resposta deles podia Ter qualquer extensão. A razão dessa flexibilidade era a de dar a cada pessoa a liberdade de responder como quisesse.
         Os resultados do estudo mostraram claramente uma coisa. Se você for o autor da afronta em uma situação difícil, verá as coisas de maneira bem diferente do que se você for a vítima. Os entrevistados que responderam do ponto de vista da vítima minimizaram sua responsabilidade e culparam o autor da afronta. Para eles, a pessoa que as fez sofrer teve a intenção de causar dano, e eles eram relativamente inocentes em relação ao sucedido.
         Os entrevistados que escreveram do ponto de vista do autor da afronta responderam de maneira diferente. Essas pessoas atribuíram maior responsabilidade pelo ocorrido à vítima e minimizaram o dano causado por suas ações. Em suas histórias, o sofrimento foi mais acidental, e a vítima muitas vezes fez alguma coisa para se expor ao perigo. É interessante constatar que, em nenhum dos dois grupos, as pessoas prestaram um relato objetivo da situação. As pessoas de ambos os lados deram uma versão que refletiu seus pontos de vista. Não houve realidade objetiva, nem uma realidade acordada entre as partes.
         Você reconhece uma história sobre a mágoa quando sente alvoroço no estômago, aperto no peito ou suor nas palmas das mãos. As histórias sobre a mágoa são aquelas que você conta para seu amigo para explicar porque sua vida não está do jeito que você gostaria. São aquelas que você apresenta para justificar porque está infeliz ou com raiva.
         Eis um teste conciso que ajuda a identificar se a história que você conta para si e para os outros é uma história sobre a mágoa.
1.     Você contou sua história mais de duas vezes para a mesma pessoa?
2.    Você reprisa os acontecimentos mais de duas vezes por dia em sua mente?
3.    Você se pega conversando com a pessoa que o fez sofrer mesmo quando essa não está presente?
4.    Você se comprometeu a relatar a história sem se perturbar e depois se pegou inesperadamente agitado?
5.    A pessoa que o fez sofrer é a personagem principal da sua história?
6.    Quando você conta a história, ela traz à sua memória outras coisas dolorosas que lhe aconteceram?
7.    A sua história enfoca principalmente sua dor e o que você perdeu?
8.    Há um vilão em sua história?
9.    Você se comprometeu a não voltar a contar sua história e depois quebrou sua promessa?
10. Você procura outras pessoas com problemas semelhantes para contar sua história?
11.  Sua história continua a mesma ao longo do tempo?
12. Você conferiu os detalhes de sua história?
Se você respondeu afirmativamente a cinco ou mais das primeiras onze questões e/ou negativamente a questão 12, há uma boa chance de você estar relatando uma história sobre a mágoa. Neste caso, não perca a esperança. É tão fácil criar uma história sobre a mágoa quanto modificá-la.
É difícil dar uma chacoalhada na história sobre a mágoa devido à maneira como criamos as lembranças. A mente armazena lembranças em categorias. Para dar sentido às coisas que aconteceram, ligamos os pensamentos, associando-os a outras lembranças. Algumas lembranças podem ser armazenadas em mais de uma categoria. Quando coisas ruins acontecem, as lembranças podem ser armazenadas na caixa “histórias sobre a mágoa”. Ou podem ser armazenadas na caixa “as pessoas não gostam de mim”. Algumas pessoas possuem grandes caixas para essas categorias e, consequentemente, lembram-se facilmente de sofrimentos e mágoas.
Depois de armazenar as lembranças em diversas categorias, a mente procura localizar fatos passados que correspondem ao estado de espírito atual. Se nos sentimos tristes no presente, temos acesso instantâneo a lembranças tristes do passado. Se nos sentimos zangados no presente, então tendemos a localizar lembranças de outras coisas que nos levaram à exasperação. Se pensamos numa situação em que fomos maltratados, outros exemplos a esse respeito ocuparão nossa mente.
As categorias de lembranças mais prejudiciais são as que o lembram de quando você ficou impotente ou com raiva. As histórias sobre a mágoa fazem isso pela sua própria natureza. Devido à natureza associativa da lembrança, as coisas que trazem à tona essas categorias levam cada vez mais a sentimentos dolorosos. Quando enfocamos os fatos dolorosos do passado, reduzimos a autoconfiança. Além disso, ativamos substâncias químicas associadas ao estresse, que põem em risco o bem-estar físico.
Quando criamos uma história relacionada à mágoa, entramos na etapa final do processo relativo a ela. Sofremos se contamos a história sobre a mágoa repetidas vezes aos outros ou a nós mesmos. Ainda que seja a terceira e última etapa do processo relativo à mágoa, a história sobre a mágoa muitas vezes assinala o início de futuras dificuldades. Ela é a fábula a respeito da impotência e frustração, com base na ação de assumir alguma coisa em termos muito pessoais e culpar alguém por como nos sentimos. A história sobre a mágoa parece verdadeira sempre que a contamos porque as substâncias químicas familiares associadas ao estresse circulam por nosso organismo. Porém, o ato de contar uma história sobre a mágoa é perigoso tanto para a confiança quanto para o estado de espírito. Também é um risco à saúde, pois a pressão alta pode se manifestar quando se pensa sobre uma história desse tipo com muita freqüência.
Na elaboração da sua história sobre a mágoa, Taumaturgo enfocou a parte do seu abandono que transformou seu sofrimento em algo pessoal. Taumaturgo sublinhou a infidelidade da ex-esposa e ignorou os problemas do casamento. Durante anos, sua esposa queixou-se sobre sua falta de entusiasmo sexual. Ele sempre destacou os defeitos da sua ex-esposa e nunca nenhuma das tentativas dela para solucionar os problemas. Taumaturgo sentiu-se atormentado pela perda e foi incapaz de perceber que uma quantidade enorme de pessoas vive situações parecidas. Ele culpava sua ex-esposa sempre que se sentia só, que ficava com inveja em relação a outros casais ou que enfrentava problemas financeiros. A história de Taumaturgo sobre a mágoa fortalecia sua crença de que a vida parecia vazia sem o amor e apoio da sua esposa.
Taumaturgo não concluiu o processo relativo à magoa até que construiu sua história sobre a mágoa. Quando sua esposa o deixou, ele ficou numa situação que o fez sofrer muito. Ele poderia Ter assumido as atitudes de sua ex-esposa em termos muito pessoais, tê-la culpado por sua dor, e ainda assim poderia ter criado uma história em que ele tivesse algum poder pessoal. Apenas quando Taumaturgo criou a história sobre a mágoa perdeu a flexibilidade relativa a uma possível reação. Ele não tinha de se pôr como vítima. Existem tanto histórias de homens que sobrevivem à perda como de homens que desmoronam.
Depois que sua esposa partiu, os amigos de Taumaturgo ficaram ao seu lado. Eles o apoiaram e deixaram que ele se lamentasse e se queixasse. Taumaturgo encontrou outros homens abandonados pelas esposas, e todos achavam que as mulheres não inspiravam confiança e eram interesseiras. Então, durante um curto período, Taumaturgo, apesar do grande sofrimento, sentiu-se muito apoiado.
Infelizmente, o apoio para Taumaturgo diminuiu à medida que seus amigos desenvolviam outros interesses e se dedicavam às suas vidas. Outros homens recém-divorciados tocaram suas vidas para frente e não precisavam nem queriam mais escutar as mesmas queixas. Esses homens se cansaram se escutar os lamentos de si mesmos e de Taumaturgo. Começaram a evitar Taumaturgo, que também passou a culpar sua ex-esposa por isso. De má vontade, Taumaturgo começou a marcar encontros com outras mulheres, mas sempre se desapontava, uma mulher era muito magra, outra falava demais e uma terceira não o escutava.
Quando o conheci, Taumaturgo estava amargurado e sozinho, sem entender porque se tornara tão infeliz. Ele não tinha ideia do tributo cobrado por sua história sobre a mágoa. Cada uma das punhaladas mentais que dava em sua ex-esposa o atingia de volta. Taumaturgo não conseguia atrair outra mulher por causa da raiva que dirigia à sua ex-esposa. Julgava as pessoas com severidade devido à desconfiança que sentia. A dor quase não deixava Taumaturgo desenvolver assuntos capazes de atrair os amigos para uma conversa. Taumaturgo culpava tudo pelo fato de se sentir um lixo, e essa foi a triste história que relatou.
Taumaturgo desenvolveu uma história sobre a mágoa porque contou a mesma história repetidas vezes. Contou uma história em que atribuía toda responsabilidade por seu mal-estar a sua ex-mulher. Sua história se tornou uma história sobre a mágoa porque, a cada instante, assumia as atitudes da sua esposa em termos muito pessoais. Todo momento culpava coisas feitas no passado por seu infortúnio atual. Resistia aos conselhos dos amigos e da família para tocar sua vida para frente; em vez disso, permanecia paralisado num ciclo de dor.
BUSCANDO APOIO SOCIAL
Os estudiosos constataram que pessoas como Taumaturgo, que partilham suas experiências de vida com outras pessoas, tendem a lidar melhor com o estresse. Isso se denomina apoio social, e, em geral, quanto mais apoio, melhor. Geralmente, as pessoas que contam com os amigos ou a família são mais felizes e têm uma saúde melhor.
Os estudiosos constataram que as pessoas que não têm amigos e precisam lidar sozinhas com as coisas enfrentam com mais dificuldade as experiências da vida e também morrem mais cedo. De fato, um grande estudo revelou que pessoas socialmente soladas correm um risco maior de morte prematura. A falta de companhia é tão perigosa – se não mais – para a sobrevivência quanto o vício de fumar. Outro estudo mostrou que as pessoas de certa idade, vítimas de ataques cardíacos, provavelmente morrem mais no hospital se não recebem visitas. Se elas recebem uma visita suas chances de deixarem o hospital com vida crescem significativamente. Quanto mais visitas, maiores as chances de sobrevivência.
Quando se tem de lidar com dificuldades da vida, como perda de emprego, mudanças no negócio, experiências estressantes no trabalho ou uma permanência prolongada no hospital, o apoio social é crucial. Estudos também mostram que a ajuda adequada dos amigos e da família nos protege de doenças. Além disso, minimiza o estresse que enfrentamos.
As pessoas que mais se beneficiaram do apoio social solicitaram auxílio por um período de tempo mais curto. Pediram conselhos e quiseram aprender como enfrentar melhor o que lhes aconteceu. Viram-se diante de um desafio e o encararam. Poderiam Ter criado uma história sobre a mágoa, mas, em vez disso, usaram o bom senso e o apoio dos amigos para suportar a crise e relatar uma história positiva do êxito de sua luta.
Aquelas pessoas que não se beneficiaram do apoio social solicitaram outras coisas da família e dos amigos. Elas tendiam a se queixar à família e aos amigos do modo inadequado como foram tratadas; forçavam os amigos e a família a apoiá-las mesmo quando estavam erradas. Achavam seus problemas gigantescos e melindravam-se com os desafios que tinham de enfrentar. Sua auto-estima era muito baixa, fazendo com que resistissem aos conselhos que as ajudariam a mudar para melhor. Essas pessoas relatavam uma história sobre a mágoa e resistiam a abandonar tal história. Como conseqüência, sofreram problemas de saúde.
     Desejo relatar a história de uma mulher que usou a ajuda dos amigos e da família com sabedoria. Sua narrativa ilustra que nem todas as afrontas precisam necessariamente virar mágoas, e que uma história sobre a mágoa não se torna inevitável só porque estamos dolorosamente feridos. Depois de ler a história desta mulher, você verá como a ajuda de pessoas próximas pode levá-lo a se tornar herói em vez de vítima.     
  Quando andava de bicicleta numa tranqüila rua secundária de uma cidadezinha, Frida foi atingida por um carro. Era uma ciclista experiente e estava andando no lado correto da via, sua sinalização era adequada e usava um capacete. Frida não estava correndo e era cuidadosa. Nada disso a protegeu quando um motorista apressado fez uma manobra desastrada e a atropelou. Ela foi atingida em cheio, o carro lançou-a ao ar; o motorista fugiu. Frida ficou bastante machucada e passou duas semanas no hospital com a pélvis esmagada e uma séria concussão. Depois de receber alta, teve de ficar seis meses em casa em recuperação
A pélvis de Frida nunca ficou totalmente boa, ela sofria de dores de cabeça crônicas e precisou usar uma bengala durante cinco anos após o acidente. Nunca descobriu o motorista que a atropelou. Frida teve de pedir demissão, e seu marido precisou trocar de emprego para ganhar mais. Ela, porém, sobreviveu ao acidente, à perda do emprego, ao ato fortuito de violência e continua a suportar sua dor crônica. Conseguiu tudo isso porque se tornou uma pessoa cujo sofrimento fez desenvolver compaixão pela dor dos outros. Além de um novo emprego em período integral, ela atua com regularidade como voluntária em uma clínica de combate à dor, ajudando outras pessoas a lidarem com seus ferimentos.
Em vez de se lamentar, Frida fala com gratidão sobre a ajuda que recebeu do marido e da família. Frida está grata porque lhe demonstraram amor, e não pena. Frida elogia seu marido por tê-la estimulado a voltar à escola quando ainda estava em recuperação. Tem palavras amáveis para seu pai, que lhe pediu para conversar com outras pessoas que superaram problemas similares. Lembra-0se do seu pai dizendo: “Embora não possa mudar o passado, você é a única que pode construir seu futuro”. Embora contrariada em relação à sua dor, Frida admite que é uma pessoa muito melhor hoje devido ao que passou.
Podemos perdoar aqueles que nos fizeram sofrer e tocar adiante nossas vidas; podemos nos perdoar por ficarmos paralisados e magoados. Podemos perdoar nossos pais se eles nos fizeram sofrer e nossos amigos e família se não nos apoiaram. Podemos criar uma história que nos mostre como heróis e não como vítimas.
Assim, devemos começar o processo de criação de uma nova história sempre tomando cuidado sobre o que falamos a respeito das coisas dolorosas não resolvidas que nos aconteceram. Quando você se pegar falando sobre um sofrimento passado, verifique se não está contando uma história sobre a mágoa. Nesse caso, faça uma pausa e respire fundo. Sua história sobre a mágoa, que parece tão confortante e familiar, é sua inimiga. Essa história sobre a mágoa, mais do que fazê-lo sofrer, o está aprisionando. A história o mantém preso no passado, perturba seus amigos e família, e lembra a você e aos outros que você é a vítima. Logo que modificamos a história sobre a mágoa, estamos no caminho da cura.
Cada um escolhe o tipo de história que deseja contar. Lembre-se: podemos perdoar e tocar adiante nossas vidas ou ficar amarrados a coisas sobre as quais não temos controle.
AS EXPECTATIVAS IRREALIZÁVEIS
Descrevi as três etapas necessárias para a formação de uma mágoa: assumir algo em termos muito pessoais, fazer o jogo da culpa e criar uma história sobre a mágoa. Porém, uma questão persiste: por que algumas situações transformam-se em mágoas e outras não? Não se cria uma mágoa todas as vezes que não se consegue o que se quer. Existem algum fator que determina o motivo pelo qual em uma determinada situação cria-se uma mágoa? Sim. Antes que uma mágoa seja formada, reage-se a uma situação dolorosa de uma certa maneira.
Essa maneira inadequada de agir chama-se “expectativa irrealizável”, a qual é a base do processo relacionado à mágoa.
O sistema de pensamento que leva à formação de uma mágoa envolve o processo de tentar impor ao mundo concreto uma expectativa irrealizável.
Imagine um policial rodoviário cuja missão seja patrulhar um movimentado trecho de uma estrada federal. Sentado dentro do seu carro, parado no acostamento, o policial vê uma Mercedes passar a 140 quilômetros por hora. Ele começa a lavrar a multa e tenta ligar seu carro. O motor, porém, não responde. Incapaz de sair do lugar, o policial logo vê outro carro acima da velocidade permitida. Em seguida, outro. Sem saber o que fazer, primeiro fica curioso e depois sente-se impotente.
  Ele diante do apuro de Ter de impor expectativas irrealizáveis sem poder fazer. O que ele faz com elas? O policial está impotente e impedido de agir.
A questão que o policial se coloca é parecida com a que você lida toda vez que uma das suas expectativas é contrariada. A questão que você enfrenta é: “Será que continuo a lavrar multas que não servem para nada?” Como o policial, você muitas vezes enfrenta situações nas quais tem de imaginar o que fazer quando não se tem controle sobre a situação.
Muitas vezes, ao tentar impor expectativas irrealizáveis, escrevemos multas mentais para “punir” aquele que agiu indevidamente. Infelizmente, se a expectativa é irrealizável, a única pessoa que acaba sofrendo com a multa é você mesmo. Entupimos a mente com essas multas. Ficamos frustrados porque as coisas não andam do jeito que queríamos. Ficamos zangados porque algo inconveniente está acontecendo. Ficamos impotentes porque não conseguimos fazer as coisas de modo adequado.
Estou convencido de que quando você tenta impor algo sobre o qual não tem controle, você cria um problema para si.
Temos tanta chance de impor expectativas irrealizáveis quanto de tirar leite das pedras. Tentar mudar o que não pode ser mudado ou tentar influenciar aqueles que não querem ser influenciados redundará em fracasso, e causará esgotamento emocional.
Em grande medida, as expectativas relativas ao comportamento das pessoas e ao nosso próprio comportamento determinam como nos sentimos. Por quê? Porque certas expectativas são realizáveis e outras não. Quando você possui muitas expectativas irrealizáveis, ou quando você tenta, com grande dificuldade, impor aquelas que tem, cria um problema. Se você tentar impor apenas aquelas coisas que consegue controlar, provavelmente sua vida correrá bem.
Quando falo para meu filho de dois anos ficar fora do meu quarto, posso instalar uma barreira para impedir sua entrada. Normalmente, posso fazer meu filho de dois anos ficar onde eu quiser. Sou capaz de impor minha expectativa para manter meu filho fora do quarto.
Se você fixar uma expectativa determinando que seu filho de 18n anos sempre deve voltar com seu carro até às dez da noite, será um sério candidato à frustração. Seu filho pode se atrasar por diversos motivos. Pode estar atrasado porque há muito trânsito, pode decidir sair com os amigos. Ele pode não lembrar do horário que deve voltar para casa. Pode não ligar para o que você pensa. Você pode controlar fisicamente seu filho de dois anos, mas não pode controlar seu filho de dezoito anos do mesmo modo. A diferença é que o filho de dezoito anos tem a escolha da obedecê-lo ou não.
Estamos tentando impor uma expectativa irrealizável quando culpamos alguém por como estamos nos sentindo. Tentamos impor uma expectativa irrealizável quando assumimos o comportamento de alguém em termos muito pessoais. Ao formarmos uma mágoa, houve pelo menos uma expectativa irrealizável. Sempre que nos sentimos muito transtornados em relação a alguma coisa, na origem está a tentativa de impor uma expectativa irrealizável. De fato, sentir-se irado, impotente ou deprimido é indicação de que estamos tentando impor uma expectativa irrealizável.
Sabemos que estamos tentando impor uma expectativa irrealizável se alguma coisa – exceto uma perda ou doença grave muito recente – nos causa muita angústia emocional. Se encaramos a morte recente de um ente querido, a perda da casa ou a notícia de uma doença grave, será natural nos sentirmos dominados pela dor e não conseguirmos pensar com clareza. Entretanto, após um curto período de tempo, vamos Ter de enfrentar o problema de tentar impor uma regra que não podemos pôr em vigor.
Ninguém tem o controle sobre a saúde ou a vida e morte da pessoa que ama. Falando sem cerimônia: quando ocorre um fato desagradável, temos a opção de aceitá-lo ou não. Não aceitamos o que nos acontece porque nos apegamos a expectativas irrealizáveis.
Todos nós temos expectativas a respeito do modo como algo deveria ser ou de modo alguém deveria pensar ou se comportar. Todos fixamos expectativas e regras de como devemos agir e pensar, de como as outras pessoas devem agir e pensar, de como a vida deveria ser.
A expectativa irrealizável abarca aquela que você não pode concretizar. Pode ser a expectativa de que seus pais o tratem tão bem quanto tratam seu irmão ou a expectativa de que você ganhe na loteria. Pode ser a expectativa de que você ganhe uma corrida ou que obtenha um aumento. Pode ser por tempo bom ou por uma fila pequena no supermercado. Podemos Ter infinitas expectativas, embora não disponhamos do poder para fazer com que aconteçam.
A expectativa irrealizável é aquela em que você não tem o controle de ser factível ou não. A expectativa irrealizável é aquela em que você não tem o poder de fazer as coisas acontecerem do modo que deseja. Ao tentar impor uma das suas expectativas irrealizáveis, você fica irado, amargurado, desanimado e impotente. Tentar impor algo que você não pode controlar é um exercício de frustração. Forçar a esposa a amá-lo, um sócio a ser honesto, os pais a tratarem cada filho com imparcialidade é uma missão irrealizável.
Qualquer um ficaria frustrado se olhasse uma pedra esperando que leite saísse dela. Quando o filho adolescente se atrasa, a maioria dos pais sente raiva e frustração enquanto escuta o tique-taque do relógio. Toda vez que tentamos impor uma expectativa irrealizável, frustração e impotência se manifestam.
Beto bebia muito e era usuário de drogas. Sua esposa Angélica sofria muito com isso, pois freqüentemente ele se ausentava de casa por longos períodos ou chegava tarde em casa. Procure imaginar como Angélica ficava frustrada e irada toda vez que Beto ficava fora de casa até tarde. Imagine quantas multas ela deve Ter lavrado e armazenado em sua mente.
Quanto maior seu número de expectativas irrealizáveis, maior a probabilidade de que você se sinta perturbado e desapontado. Quanto mais intensamente você tentar impor algo que não pode controlar, pior vai se sentir. Se você se apegar a uma expectativa irrealizável, ficará propenso a sofrer cada vez que ela for quebrada. Toda vez que Beto se atrasava, Angélica se transtornava. Transtornava-se porque ele estava fora de casa bebendo, porque estava sozinha. Além disso, Angélica se transtornava porque Beto não a obedecia. Beto não fazia o que ela sentia que ele deveria fazer.
Como conseqüência, Angélica lavrou uma grande quantidade de multas. Beto estava violando expectativas a torto e a direito. Ele frustrou tantas expectativas que Angélica perdeu o rumo. O problema era que Beto não levava as expectativas e pedidos de Angélica a sério, não ligava se Angélica lavrava multas durante todo o dia. As multas começaram a encher totalmente a mente de Angélica, impedindo outros pensamentos.
Certa parte da frustração de Angélica era uma reação legítima à indiferença e ao comportamento destrutivo de Beto. Como veremos no próximo capítulo, para perdoar é importante sabermos que tipo de comportamentos não aprovamos e quais limites não devem ser ultrapassados. Porém, outro aspecto do sofrimento envolvia a insistência de Angélica para que Beto se comportasse de determinado modo; mas ela não tinha o poder de fazê-lo comportar-se desse modo. Angélica era incapaz de impedi-lo de consumir drogas em excesso, não tinha o poder de fazê-lo voltar para casa à noite. Ela não conseguia forçá-lo a chegar no horário ao trabalho, e era incapaz de fazer com que ele a amasse. Contudo, em vez de aceitar a falta de confiabilidade de Beto, Angélica buscava manter sua ilusão de controle. Desse modo, cada vez que Beto violava suas expectativas irrealizáveis, Angélica ficava furiosa. Ela nunca pensou em analisar suas expectativas relativas a Beto para ver se eram realistas.
O seu comportamento em relação a Beto a fazia assumir o comportamento dele em termos muito pessoais e culpá-lo por suas diversas dificuldades. Angélica achava que seu marido estava errado por consumir drogas em excesso. Achava que Beto deveria voltar para casa à noite. Angélica achava que Beto deveria chegar no horário para o trabalho. Ela achava que Beto deveria amá-la. Angélica criou muitas expectativas, que Beto violava com freqüência, e ela lavrava multas aos montes. As expectativas irrealizáveis que tentava impor a fizeram sofrer ainda mais.
A tentativa de impor expectativas irrealizáveis leva a pessoa a sentir-se desamparada, irada e sem poder. O ato de lavrar multas não é sinônimo de tomar uma ação construtiva. Você lavra multas quando não pode imaginar a ação construtiva a ser tomada.
A esta altura, convém fazer uma distinção pertinente. A maioria das pessoas confunde fatos inesperados com fatos indesejados. Freqüentemente, se não se quer algo, espera-se que não aconteça, mas são duas coisas diferentes. Por exemplo, se alguém bater na sua porta às três da madrugava, você provavelmente ficará preocupado. De modo irritado ou hesitante você pergunta quem é. Se a voz disser que se trata de um ahceque de 200.000 reais em seu nome, esse anúncio será inesperado, mas totalmente desejado. Provavelmente você não ficará transtornado por receber um cheque de valor tão alto.
Porém, se quem estiver batendo na sua porta vier cobrar alguma coisa, então o acontecimento poderá ser tanto inesperado como indesejado.
Para Angélica, o problema do seu marido ligado ao consumo abusivo de drogas era tanto inesperado quanto indesejado. Quando Angélica casou com Beto, ela não tinha nenhum plano contingente em relação ao vício latente dele. De certo modo, ela não foi realista. Embora Angélica não quisesse um marido alcoólatra, isso poderia acontecer; muitas pessoas tem cônjuges alcoólatras. Inicialmente, o alcoolismo de Beto foi tanto inesperado como indesejado. Conforme o tempo passava e Beto se apresentava com freqüência sob efeito de bebidas alcoólicas, o consumop abusivo do álcool tornou-se esperado, mas indesejado. Porém, as expectativas irrealizáveis de Angélica obscureceram sua capacidade de julgamento e dificultaram sua reação diiante do que se tornou um comportamento esperado, mas indesejado.
Grande parte do sofrimento de Angélica surgiu porque ela não pode aceitar a realidade, Provavelmente vivia com um marido que mais a desapontava do que a satisfazia. Em vez de agir de modo construtivo, tentou impor expectativas irrealizáveis. Lavrou toneladas de multas e sofreu porque não compreendeu a letalidade de suas regras irrealizáveis. Sustentou que sua expectativa estava correta e seu marido errado. Ela não percebeu que ninguém se deixa persuadir quando está se tentando impor uma expectativa irrealizável.
Na base de toda mágoa está a realidade de que a vítima da afronta tinha uma expectativa irrealizável que não foi seguida. A expectativa pode ser tão genérica quanto “Eu não deveria sofrer”, “As pessoas deveriam ser amáveis comigo” ou “Eu tenho de ser amada”. Ou pode assumir a forma de regras específicas de conduta como “Meu namorado deveria ter limpado o banheiro exatamente como eu falei para ele”. Em cada caso, a exigência de uma adesão a regras que não podem ser cumpridas está na base do processo relacionado à mágoa.
Quando você diz que alguém que ama deve retribuir esse amor, está criando uma expectativa irrealizável. Só porque você ama aquela pessoa, ela tem de amá-lo? Ao dizer ao seu marido que, em vez de beber, ele deve voltar para casa à noite, você está criando uma expectativa irrealizável. Só porque você quer que seu marido permaneça sóbrio não significa que ele queira a mesma coisa. Ao dizer que sua família deveria ser sensível quando você passa por um sofrimento, você está criando uma expectativa irrealizável. Só porque quer atenção, não significa que sua família terá de dá-la quando você quiser. Nas suas férias, quando deseja as melhores condições meteorológicas possíveis, está criando uma expectativa irrealizável. Só porque você deseja tempo bom, não significa que isso acontecerá.
A primeira etapa na elucidação das expectativas irrealizáveis envolve identificá-las. Depois de perceber que criou expectativas irrealizáveis, você tomou a primeira medida para se ajudar. Ao fazer isso, recuperou parte do poder que concedeu à outra pessoa que o fez sofrer. Como próxima medida, você pode estabelecer regras que lhe trarão mais paz de espírito e permitirão um maior controle sobre suas emoções. Depois de alcançar paz de espírito e controle, a capacidade de julgamento e o processo de tomada de decisão melhorarão.
   Algumas vezes temos de solucionar uma situação difícil. Como exemplo: viver com um cônjuge alcoólatra é muitas vezes uma experiência perturbadora. A simples elaboração de melhores expectativas não solucionará o problema. Temos de imaginar o que fazer para nos proteger e talvez também nossos filhos. Para fazer isso, precisamos Ter um entendimento a nosso respeito. Quando a mente está cheia de raiva impotente, porque as expectativas não estão sendo seguidas, temos menos energia disponível para pensar em opções.
Lembre-se que em quase todas as circunstâncias em que sente um sofrimento emocional importante, você está tentando impor uma expectativa irrealizável. Mas há esperança. Todos podemos aprender a mudar as expectativas. Podemos recuperar o poder. Podemos aprender a perdoar.

O QUE É O PERDÃO?



O perdão é uma opção. Nem você, nem eu temos d perdoar alguém que nos fez sofrer. Por outro lado, podemos perdoar todos que nos tenham ferido. A decisão é nossa. O perdão não acontece por acaso. Temos de tomar a decisão de perdoar. Não vamos perdoar apenas porque achamos que devemos. O perdão não pode ser forçado. Ao escolher o perdão, renunciamos ao passado para curar o presente.
       Inúmeras vezes, constatei que muitas pessoas, ao se magoarem, esquecem que podem reagir de diversos modos. Algumas vezes ficam iradas e continuam iradas. Às vezes, ficam magoadas e permanecem magoadas; outras, simplesmente desconsideram o problema.
         Só porque fomos maltratados não temos de criar uma mágoa. Uma mágoa não é inevitável só por causa de uma ferida profunda. Uma mágoa se forma quando você reage a situações dolorosas de um determinado modo.
         Quando percebemos nosso papel no processo relacionado à mágoa, podemos então decidir desempenhar o papel principal no processo relacionado à cura. O modo de cura mais poderoso é pelo do perdão. Quando perdoamos, assumimos algo em termos menos pessoais, culpamos menos a pessoa que nos fez sofrer e mudamos a história sobre a mágoa. Por meio do aprendizado do processo do perdão, podemos perdoar qualquer pessoa que nos fez sofrer.
         Mas antes de seguir adiante, precisamos aclarar as três precondições necessárias antes de estarmos prontos a perdoar. Essas três precondições são simples: a) saber como você se sente a respeito do que aconteceu; b) ter certeza sobre a ação que o fez sofrer; c) partilhar sua experiência com uma ou duas pessoas de confiança, pelo menos.
         Se você não reuniu essas precondições, o perdão terá de esperar. Não precisa Ter pressa para perdoar. Quando estiver pronto, o perdão será mais fácil e profundo.
a)    A primeira precondição diz respeito a você ser capaz de descrever como se sente. Isso não significa que os sentimentos sejam simples ou estejam sempre claros. Seus sentimentos podem variar dia a dia e ir e vir. Mas nomear os sentimentos traz benefícios. O ato de nomeá-los combate a tendência de negar ou minimizar como nos sentimos. É muito fácil e comum negar a intensidade dos sentimentos como uma maneira de proteger-nos da dor. Algumas vezes, passamos momentos difíceis ao admitir que coisas ruins realmente aconteceram e que essas coisas nos magoaram. Podemos negar a intensidade dos sentimentos para mantermos relacionamentos problemáticos. Reconhecer como você se sente é o primeiro passo na luta contra a tendência de manter relacionamentos abusivos e dolorosos. De qualquer maneira, você não está pronto para perdoar até que o modo como você se sente não esteja claro.
b)   É muito importante saber exatamente o que foi inaceitável em uma determinada situação. Isso significa que você deve tentar lembrar dos detalhes tão bem quanto possível. Você tem de saber o que representou um comportamento inaceitável na situação vivida e ser capaz de expor em linguagem clara o que não foi correto. Como você pode saber o que evitar no futuro se não tiver certeza a respeito dos seus limites? Ao aclarar o que lhe causa sofrimento, provavelmente serão menores as chances da situação danosa se repetir.
c)    O relato do que aconteceu para algumas pessoas de confiança é a terceira precondição para o perdão. Isso significa contar como você se sente e o que não foi correto na situação que o fez sofrer. Partilhar a dor com algumas pessoas de confiança ajuda a enfrentar a situação; permite que você ponha os sentimentos em palavras, tornando-os mais claros. Partilhar a dor possibilita que outras pessoas se preocupem com você e proporciona-lhe orientação e apoio. Ajuda na ligação com a universalidade do sofrimento e permite que você se sinta menos sozinho. Ao partilhar sua história com poucas pessoas, você está em busca de apoio e orientação. Ao partilhar sua história com um número maior de pessoas, muitas vezes você faz isso para denunciar o autor da afronta, para dar um gripo de dor ou para fazer outras pessoas saberem como você se tornou uma vítima. Essas razões são diferentes da busca por apoio e orientação, e são, muitas vezes, um simples recontar da sua história sobre a mágoa. Se você não conseguir encontrar amigos ou familiares de confiança, sugiro um terapeuta ou um grupo de apoio. Se isso também não for possível, poderá escrever sua experiência e depois revisá-la. Pode também partilhar anonimamente o que escreveu em chats na internet. Devo fazer uma advertência: não partilhe sua dor com pessoas que podem fazê-lo sofrer ou levar vantagem a partir da sua confidência. Você também não tem de partilhar sua dor com a pessoa que o fez sofrer, pois essa pessoa não é adequada. Depois de Ter partilhado sua dor com algumas pessoas de confiança, você pode avançar para a próxima etapa e aprender a perdoar. Você já sabe como se sente, já sabe o que está errado e já partilhou sua dor.

 

O QUE É O PERDÃO
O principal obstáculo para o perdão é justamente a falta de entendimento a respeito do que é o perdão. Algumas pessoas confundem perdão com uma ação grosseira de indulgência. Outras acham que o perdão existe para restabelecer o relacionamento com o autor da afronta. Algumas ficam receosas de perdoar porque acham que não serão capazes de buscar justiça. Outras acham que o perdão deve ser um precursor da reconciliação. Algumas pessoas acham que o perdão significa esquecer o que aconteceu; outras acham que serão capazes de perdoar porque sua religião diz que se deve perdoar. Todas essas concepções estão equivocadas.
O perdão é a sensação de paz que emerge quando você assume seu sofrimento em termos menos pessoais, assume a responsabilidade de como se sente e torna-se um herói e não uma vítima na história que relata. O perdão é a experiência da serenidade no momento presente; não muda o passado, mas modifica o tempo atual. O perdão significa que, embora ferido, você opta por se magoar e sofrer menos. O perdão significa que você se torna parte da solução. É a compreensão de que o sofrimento é parte normal da vida. O perdão é para você e para ninguém mais. Você pode perdoar e reatar um relacionamento, ou perdoar e nunca mais voltar a falar com a pessoa.
         O benefício mais importante do perdão é a firmação de que não somos vítimas do passado. Evidentemente, o passado influencia o presente. Para o resto da sua vida, Maria sentirá a influência de ter convivido com uma mãe fria e distante durante a infância.  Ela não pode mudar o passado. Não pode fazer o tempo voltar. Porém, Maria pode aprender novos modos de viver no presente ao perdoar sua mãe.
         Algumas pessoas crescem em famílias que lhes ensinam coisas quando crianças que consideram difíceis de esquecer quando adultas. Infelizmente, algumas das coisas que os pais ensinam para seus filhos são prejudiciais.
         As pessoas que tiveram pais abusivos aprenderam que o mundo nem sempre é um lugar seguro. Você pode perdoar seus pais e criar um ambiente novo e um lugar seguro. Depois de perdoar, alcança-se a tranqüilidade para dizer com segurança que aquilo que seus pais ensinaram estava completamente errado. Estando tranqüilo, você pode traçar o melhor curso para sua vida. O perdão é o início de um novo capítulo e não o espílogo de uma história. Muitas pessoas têm como fim o reconhecimento do erro e perdem a chance de perdoar e crescer.
         O passado de nenhuma pessoa tem de ser uma sentença de prisão. Não podemos mudar o passado; assim, devemos encontrar uma maneira de resolver as lembranças dolorosas. O perdão fornece a chave para reconhecer o passado e seguir adiante. Quando conseguimos perdoar, temos menos a temer. Por exemplo, Angélica sentia pavor de começar outra relação amorosa depois da experiência desastrosa com seu marido alcoólatra. Nos encontros, Angélica sentia-se acanhada e cautelosa porque Beto vinha com ela, ficando metaforicamente escondido no assento traseiro do carro. Depois de finalmente perdoá-lo, Angélica soube no ato que se tornara uma mulher mais poderosa. Começou a namorar com seriedade, sem desespero.
         Depois de perdoar Beto, Angélica sabia que nunca mais deixaria outro homem tratá-la da maneira como ele a tratou. Sabia que se voltasse a ficar magoada, conseguiria se recuperar. Ela aprendeu a habilidade do perdão e sabia que poderia usá-la sempre que necessário. Quando provamos a nós mesmos que podemos sobreviver a uma situação dolorosa, também compreendemos que podemos sobreviver a outra situação similar. Assim, ao perdoar, nossa auto-estima se desenvolve. Ficamos mais fortes e aprendemos o que é bom e o que não é bom para nós.
         Depois de perdoá-lo, Angélica não esqueceu como Beto a tratou. Ela tinha lembranças não como vítima, mas sim como sobrevivente. Angélica não desculpou a indelicadeza de Beto, nem seus problemas relativos ao consumo abusivo de drogas. Sabia que o tratamento que Beto deu a ela e ao filho deles foi injusto. Angélica não lhe deu mais muito espaço em sua mente, e provou para si que Beto não era responsável pela vivência emocional dela.
         Angélica aprendeu que poderia viver sem um homem. Aprendeu a ser mais assertiva, a confiar em si. Além disso, Angélica não alimentou mais fantasias de reconciliar-se com Beto. Quanto a ela, o filme tinha acabado e estava contente por estar fora do cinema.
         O segundo benefício a respeito do aprendizado do perdão envolve a ajuda que se pode oferecer aos outros. Você não tem idéia do poder que um exemplo de perdão pode proporcionar. Se olhar ao redor, verá os amigos, família e conhecidos cheios de sofrimento, tristeza e raiva. Você pode ajudar muitas pessoas com o exemplo de como você superou a adversidade e a dor.
         O perdão é um ato que denota força. Você só pode perdoar a partir da força quando já conhece seus sentimentos, já os nomeou e partilhou. Você só pode perdoar a partir da força quando perceber claramente que está ferido e que não se envergonha disso. Sua força pode servir de exemplo aos outros.
         O terceiro benefício que o perdão traz emerge quando você dá mais amor e atenção às pessoas importantes da sua vida. Da minha própria experiência, e da experiência de muitas outras pessoas, sei que o sofrimento do passado muitas vezes faz com que você se afaste e suspeite da pessoa que está procurando gostar de você. Freqüentemente, a pessoa que sofre por causa da sua mágoa não é quem o fez sofrer, mas a pessoa preocupada com você hoje em dia.
       Se alugamos muito espaço para o que deu errado, onde fica o espaço para apreciarmos as coisas boas da nossa vida? Se concentrarmos a atenção nos antigos reveses, como podemos dar plena atenção e amor aos amigos, colegas de trabalho e outras pessoas importantes para nós? Se permanecermos amargurados em relação às velhas crueldades dos pais, quem terá de sofrer: nossos pais ou nossos amigos e entes queridos atuais?
       Iran foi criado num lar desordenado, cheio de raiva e amargura. Quando ele transfere esse legado para suas amizades e relações amorosas, quem colhe as conseqüências? Se Iran sente-se irado em relação aos seus pais por causa do lar desequilibrado e torna-se uma pessoa de pavio curto, quem tem de suportá-lo: seus pais ou sua atual parceira?
         Depois que Iran aprendeu a perdoar, percebeu que as pessoas que rechaçava eram as que se preocupavam com ele. Quando começou a perdoar seus pais por causa do lar desequilibrado, conseguiu perceber mais claramente o dano que sua raiva causou aos seus relacionamentos atuais. Por meio do perdão, obteve mais tempo e energia para envolver-se e apreciar seus amigos e entes queridos.

         O QUE O PERDÃO NÃO É       
O perdão não significa achar que o que aconteceu estava certo. O perdão não significa fechar os olhos à conduta grosseira, desatenciosa ou interesseira de alguém que o fez sofrer. Taumaturgo estava certo ao condenar a infidelidade de sua esposa. Ela agiu com crueldade e descumpriu o juramento matrimonial. Mentiu e o envolveu em dificuldades. Para Taumaturgo, o reconhecimento de seus sentimentos era necessário e saudável. O problema de Taumaturgo era que ele confessava sua dor com freqüência. Escutá-lo era como ouvir um velho disco arranhado, que tocava sempre a mesma nota. A música que Taumaturgo tocava sem parar não era nada atraente.
Raiva e sofrimento são reações pertinentes aos acontecimentos dolorosos. Quando os limites são ultrapassados, devemos saber como dizer não. Não temos de virar um capacho para perdoar. Perdão também não significa que seja correto que a pessoa nos trate com grosseria. O perdão é a decisão que nos livra da afronta e culpa que nos paralisou num ciclo de sofrimento. Embora raiva e sofrimento sejam válidos, ao contrário do vinho, eles não melhoram com o passar dos anos.
Perdão não é sinônimo de esquecimento. Você não quer esquecer o que aconteceu. Na realidade, quer se lembrar. Em primeiro lugar, lembra-se para garantir que alguma coisa ruim não voltará a acontecer. Lembra-se do sofrimento do ponto de vista da cura e não do da vitimização impotente, e não precisa discorrer longamente sobre o que aconteceu ou inchar-se de orgulho porque perdoou. Deve-se reconhecer a coragem e perseverança que o levaram a superar as feridas do passado.
Finalmente, você tem a oportunidade de usar as lembranças que cicatrizaram para oferecer compaixão e apoio aos necessitados. Quando perdoa, você se torna um modelo para as pessoas que ainda estão na luta. Elas se favorecem ao ver pessoas que se curaram. Você pode servir de exemplo do que é possível. Com seu exemplo, mostra às pessoas que o perdão é possível.
Perdão e reconciliação não são a mesma coisa. Reconciliação é restabelecer uma relação com a pessoa que o fez sofrer. Perdão significa reconciliar-se com uma parte penosa do passado e não culpar mais o autor da afronta por suas experiências. Você pode perdoar e decidir que não há razão alguma para ter qualquer outra relação com a pessoa que o fez sofrer. Na realidade, sempre que você perdoa alguém que está morto, faz isso. Sempre que perdoa alguém que conheceu apenas por um momento curto e doloroso (como a vítima de um atropelamento em que o motorista fugiu), você faz isso.  Por meio do perdão, você tem uma opção. Você pode perdoar e dar ao autor da afronta uma nova oportunidade, ou pode perdoar e assumir novas relações. A opção é sua.
Do mesmo modo, perdão não significa desistir do pleito por justiça ou indenização. Certa vez trabalhei com um homem que foi atropelado por um motorista que fugiu. Ele insistia que não poderia perdoar, pois isso significava que não conseguiria dar seqüência à sua ação judicial. Eu disse a ele que desse seguimento ao processo legal se essa fosse sua escolha. Disse que o perdão era para seu bem-estar emocional e físico: sua mente ficaria mais lúcida e suas decisões ficariam mais confiáveis. Disse para ele perdoar, para que ele fosse a vítima do motorista durante o menor tempo possível. Também sabia que o processo criminal e a indenização financeira não preencheriam a necessidade que ele tinha pela cura emocional. Ele precisava vencer tanto no tribunal quanto na vida; tanto vencer uma ação judicial, quanto recuperar sua afeição. Pedi-lhe para estabelecer um plano provido de dois eixos. O primeiro eixo destinava-se à sua cura emocional e envolvia o aprendizado do perdão. O segundo eixo, para tentar garantir que o autor do atropelamento fosse punido. As duas abordagens dele eram complementares, mas não similares.
Em suma: 
* Perdão é a paz que você aprende a sentir quando permite o pouso dos aviões que estão voando em círculos. 
·         Perdão é para você e não para o autor da afronta.
·         Perdão é recuperar seu poder.
·         Perdão é assumir a responsabilidade por como você se sente.
·         Perdão refere-se à sua cura e não à pessoa que o fez sofrer.
·         Perdão é uma habilidade que exige treinamento, igual jogar futebol.
·         Perdão o ajuda a ter mais controle sobre seus sentimentos.
·         Perdão pode melhorar sua saúde física e mental.
·         Perdão envolve se tornar o herói e não a vítima.
·         Perdão é uma escolha.
·         Todos podem aprender a perdoar.
O QUE O PERDÃO NÃO É:
·         Perdão não é fechar os olhos para a falta de amabilidade.
·         Perdão não é esquecer que algo doloroso aconteceu.
·         Perdão não é desculpar o mau comportamento.
·         Perdão não precisa ser uma experiência religiosa ou sobrenatural.
·         Perdão não é negar ou minimizar seu sofrimento.
·         Perdão não significa se reconciliar com o autor da afronta.
·         Perdão não significa desistir de ter sentimentos.



AS TÉCNICAS PARA A CURA PELO PERDÃO: MUDANÇA DE CANAL, RESPIRAÇÃO DE AGRADECIMENTO, FOCO NO CORAÇÃO E PERT.

“Um homem sábio se apressará a perdoar, pois sabe o verdadeiro valor
do tempo, e não sofrerá por se livrar de uma aflição desnecessária.”
SAMUEL JOHNSON

Já vimos como as mágoas se formam e o que é o perdão. Agora é o momento de curar suas mágoas. Já sublinhei as três precondições para o perdão: saber como você se sente, saber o que está errado e falar para algumas pessoas de confiança o que aconteceu. Se você cumpriu essas etapas, você está pronto para aprender a perdoar.

OBSTÁCULOS CONTRA O PERDÃO
Inicialmente, vamos apresentar alguns obstáculos contra o perdão. O primeiro é a tendência de confundir uma afronta imperdoável com a incapacidade para perdoar. Constatei que essa idéia equivocada dificulta a capacidade de perdão das pessoas, e sei que, ao esclarecer isso, estarei ajudando vocês. Com freqüência, conheço pessoas que confundem a falta de motivação para perdoar com a idéia de que uma determinada afronta é imperdoável. Mesmo depois de terem satisfeito diversas vezes as precondições, essas pessoas têm dificuldade de renunciar às suas mágoas. Elas resistem à idéia de perdoar e discutem sobre se a afronta é perdoável.
         Markus, quando eu escrevi as três precondições no quadro-negro afirmando que estávamos prontos para começar a perdoar, afirmou que elas não eram suficientes para ele perdoar. Foi muito injusto o que tinha acontecido a ele, pois prometeram-lhe um cargo de webdesigner e Markus teve de assumir a função de redator técnico. Não seria errado perdoar pessoas que haviam mentido para ele? Como alguém pode perdoar tais embusteiros?
         Pedi para Markus imaginar que vinte milhões de reais tivessem sido depositados em uma conta corrente de um banco suíço em seu nome. O dinheiro era seu, com uma condição: que ele concordasse a não voltar a pensar com tanto rigor sobre sua mágoa.  Ele também tinha de imaginar que os banqueiros possuíam um detector que saberia se ele ainda conservava pensamentos negativos sobre seus chefes. Perguntei-lhe se, nesse cenário, ele tiraria a mágoa da mente. Markus respondeu: “É claro que sim. Minha mãe não deu à luz a um idiota. Só um tolo abriria mão de vinte milhões de reais”. Asim, desse para Markus: “Na realidade, estamos falando sobre sua motivação para perdoar, e não se seus chefes devem ou podem ser perdoados. É óbvio que não há nenhum problema em perdoar seus chefes; você só não queria tomar essa atitude até Ter uma boa razão”. E conclui: “Parece-me que você perdoaria seus chefes se a recompensa fosse boa. Não é verdade?” Ele aparentou embaraço e afirmou: “Sim, acho que sim”. Markus aprendeu que não foi a falsidade que o impediu de perdoar, mas o fato de ele ter ou não uma boa razão para isso.
       Na verdade, nós estamos mais preparados para perdoar do que imaginamos. Os obstáculos principais não são as afrontas em si, mas a falta de ferramentas com as quais trabalhar. Imaginamos o caráter da afronta imperdoável. Porém, se qualquer um de nós olhar ao redor, encontrará pessoas que perdoaram a mesma afronta. Deve-se lembrar que trabalhei com pessoas que realizaram um expressivo progresso para perdoar a violência gratuita. A falta da afronta é imperdoável para todos. Prestando atenção, você sempre encontrará alguém que perdoou uma situação similar.
         Se você colocar-se no lugar de Markus, notará que a hesitação relativa ao perdão é, basicamente, uma questão de motivação. Você não se sente motivado porque sem alguma razão instigante, como riqueza ou a ameaça de morte, não sabe como se sentiria depois de perdoar. Você se pergunta se o esforço valerá a pena. Devido à falta de instrumentos para perdoar, o esforço poderá ser esmagador. Este texto lhe dá os instrumentos para perdoar. No entanto, você tem de fazer um esforço.
         A motivação do uso das técnicas envolve, principalmente, a recuperação do poder que você deu ao passado para arruinar seu presente. Com freqüência, esquecemos que o perdão é para nós, e não para o autor da afronta. De modo algum o perdão fecha os olhos à crueldade ou ao tratamento pouco amável. O perdão devolve-nos a paz de espírito.

O PERDÃO É NÃO-TEÓRICO
         Desejo que todos aprendam a perdoar. Minha definição sobre o perdão centraliza-se no benefício da sensação de serenidade, e revelo as etapas de como uma mágoa se forma. Encontrar paz de espírito não tem de ser complicado.
         Lembre-se que toda mágoa começa quando acontece algo na vida de uma pessoa que ela não quis. Desse dissabor inicial, a pessoa assume as coisas em termos muito pessoais, culpa o autor da afronta pelo modo como se sente e relata uma história sobre a mágoa. A mágoa significa que um espaço muito grande está alugado na mente para o sofrimento e a raiva. Em capítulo anterior, defini o perdão como a sensação de paz de espírito que emerge quando a pessoa: a) assume um sofrimento em termos menos pessoais; b) assume a responsabilidade por como se sente; c) na história que relata, torna-se o herói em vez da vítima.
         Insisto para que você tenha em mente essa definição sobre o perdão. Antes de tudo, é uma definição prática. Seu objetivo é sentir-se cheio de paz. A sensação de paz de espírito chega quando você se cura das suas mágoas – culpando menos, assumindo a responsabilidade por como se sente e mudando a história que você relata. Chamo de perdão essa paz de espírito. À medida que sente mais paz, você está progredindo no seu objetivo de curar-se das suas mágoas. Você está aprendendo a perdoar.
       Na minha definição de perdão, há três elementos. O elemento mais crítico refere-se à história que se conta. Ao contar uma história sobre vitimização, você já assume algo em termos muito pessoais e culpa o autor da afronta por como se sente. Ao relatar a história sobre a heróica superação de uma injustiça, você naturalmente culpará menos e assumirá as coisas em termos menos pessoais. Porém, é muito difícil mudar uma história bem ensaiada sobre a mágoa.
         Para evitar esse problema, sugiro que você comece assumindo a responsabilidade por como se sente. Precisamos lembrar que somos responsáveis por nossa experiência emocional. O passado não é responsável pelos sentimentos do presente. Só porque algo desagradável ocorreu no passado ou pode ocorrer no futuro não significa que devemos estragar o dia-a-dia. Nós nos tornamos impotentes quando damos à pessoa que nos fez sofrer um poder excessivo sobre como nos sentimos. Nossos sentimentos dolorosos diminuirão somente quando recuperarmos o poder e mostrarmos que somos responsáveis por como nos sentimos.
       Ensino duas técnicas complementares para ajudar-nos a recuperar a responsabilidade por como nos sentimos. A primeira técnica é fácil de praticar e utilizável por todos; envolve não perder de vista as boas coisas da nossa vida. Isso parece simples, mas exige algum esforço. Significa o seguinte: gastamos tempo e energia para encontrar a beleza e o amor na nossa vida para contrabalançar o tempo que gastamos nos ressentimentos, mágoas e feridas. A segunda técnica envolve a prática da PERT (Positive Emotion Refocusing Technique) – Técnica de Recolocar em Foco a Emoção Positiva, para reduzir imediatamente nossa angústia quando nos sentimos perturbados, magoados ou irados. A PERT é uma técnica simples e funcionará sempre que você sentir-se perturbado. No final deste capítulo, discutirei essa técnica. Neste instante, quero falar a respeito da primeira técnica: a descoberta do positivo na sua vida.
       Ambos os componentes são importantes para você assumir a responsabilidade por como se sente. Ambos fazem você sentir-se melhor e reduzem o poder das feridas que estragam seus dias, semanas e meses. Lembre-se: assumir a responsabilidade por como se sente não significa que tenha de gostar do que aconteceu. Responsabilidade significa apenas que você é a única pessoa no controle das suas reações emocionais e comportamentais. O perdão não é um foco sobre o que aconteceu no passado e tampouco envolve permanecer perturbado ou agarrado a ressentimentos. Você pode Ter sido ferido no passado, mas sente-se transtornado hoje. Tanto o perdão quanto as mágoas são experiências que você possui no presente.
       Desejo esclarecer que o fato de assumir a responsabilidade por como você se sente não significa que o que aconteceu é sua culpa. Você não motivou seus pais a fazê-lo sofrer, ou seu par amoroso a enganá-lo. Embora não motive, você é o responsável por seus pensamentos, comportamentos e sentimentos desde a ocorrência dessas experiências. É sua vida, essas são as reações e emoções com que você tem de lidar.

MUDANDO DE CANAL NO SEU CONTROLE REMOTO       
       Antes de tudo, assumir a responsabilidade significa que, mesmo magoado, você continua a se esforçar para apreciar o lado bom da sua vida. Desafio a tendência de afirmar que uma experiência dolorosa é mais profunda que o arrebatamento provocado pela beleza de um por-do-sol ou que o amor que sentimos pelos nossos filhos.
         A maioria está alugando mais espaço para repisar mágoas do que para enfocar a gratidão, o amor ou a apreciação da natureza. Minha mensagem básica aqui é a seguinte: quando você traz uma experiência mais positiva para sua vida, suas feridas diminuem de importância. De fato, essa é a primeira etapa para assumir a responsabilidade por como você se sente, e começar a perdoar. Se eu alugar cada vez mais espaço na mente para apreciar meus filhos ou os encantos de um dia chuvoso, haverá, como conseqüência, menos espaço e tempo para enfatizar o sofrimento.
         Para ajudá-lo a entender essa idéia, quero partilhar uma metáfora. Imagine que o que você vê em sua mente está sendo visto numa tela de tevê. Imagine que o que você vê e ouve chegue como um programa de televisão. Em casa, você muda os canais da sua tevê com o controle remoto. Escolhe os programas que quer ver. Quando quer assistir um filme de horror, sintoniza o canal 6. Para ver uma história de amor, você assiste ao canal 14. Para apreciar um canal com programas sobre a natureza, você tem de por no canal 51. Pelo seu controle remoto, você determina o que se apresenta na sua televisão.    
       Imagine agora que cada um tenha um controle remoto para mudar o canal que está vendo na mente. Imagine se as imagens em sua mente pudessem ser mudadas do mesmo modo que você muda o canal da sua tevê. Desse ponto de vista, a mágoa pode ser vista como um controle remoto travado no canal da mágoa. Para alguns, isso significa reprisar continuamente o show Tenho pais odiosos. Para outros, há episódios eternos do programa Chefes torpes, podres e falsos.
         Meu desafio é ensiná-lo a reprogramar seu controle remoto. Quero que você programe seu controle para sintonizar regularmente os canais da gratidão, beleza, amor e perdão. Apenas porque o marido de Angélica usou drogas, a enganou e depois a abandonou, não significa que os canais de gratidão e beleza de Angélica não devam mais ser usados. Sempre há um belo pôr-do-sol para ver ou uma notícia no jornal sobre um ato heróico de generosidade para ler. Naquele momento ruim da sua vida, Angélica precisava sintonizar esses canais desesperadamente. Ela passou a sofrer mais ao bloquear seu controle remoto no canal da mágoa.
         Com freqüência, as pessoas consideram que sintonizar os canais do perdão, gratidão, beleza e amor é mais fácil de ser dito do que feito. Seu controle remoto pode estar travado. Se você não puder achar nada para ver no seu canal de beleza ou amor, poderá buscar outras pessoas que possuam televisores com boa recepção. Se você sofreu no amor, não perca a alegria quando outras pessoas se apaixonam. Se você não tiver um par amoroso, mas tiver um gato, ponha o gato no seu canal do amor. Sempre há uma maneira para que a voz de uma criancinha traga um sorriso. Nunca há um momento em que não possamos agradecer às dádivas da vida. Cada respiração é uma dádiva preciosa.
         Você pode sintonizar na sua tela mental uma belíssima paisagem da natureza. Ao visualizá-la, vai ser difícil continuar de mau humor. É apenas um botão situado no outro lado do controle remoto. Você não tem de se levantar da sua cadeira reclinável. O que assiste na sua tevê mental é uma opção.
       O mundo está repleto de coisas para se apreciar e considerar belas. O desafio é ensinar a si mesmo como olhar. Os canais do perdão e da gratidão lembram que, mesmo que tenha sofrido, não se deve focar a atenção neste sofrimento. Em todos os momentos, os canais do amor e da beleza lembram que há a opção de se determinar o que ver, escutar e sentir.
       A única coisa que ninguém tira de nós é em que concentramos a atenção. Em outras palavras; o controle remoto é só nosso. Se virou um hábito sintonizar no canal da mágoa, lembre-se que qualquer hábito pode ser quebrado. O mundo está cheio de heróis que superaram dificuldades sintonizando os canais da coragem ou valentia. Cada um pode se tornar um herói; assim, outras pessoas se beneficiarão ao assistir sua vida em suas tevês.
         Depois que sintoniza os canais da gratidão, do amor, da beleza ou do perdão, você dá ao seu organismo um descanso. Quando está concentrado nos seus problemas e suas mágoas, seu organismo está sob estresse. Suas substâncias químicas associadas ao estresse estão ativas e você sente-se cansado e abatido. Você culpa o autor da afronta por sua angústia e sente-se incapaz. Desse modo, de fato, você pode restaurar alguns dos danos provocados por sua reação relativa ao estresse.
         Para aqueles cujos controles remotos estão um pouco enferrujados, ofereço algumas sugestões de como melhorar a recepção dos canais da gratidão, amor, beleza e perdão. Todas as sugestões foram postas em prática e mostraram-se úteis.
        
CANAL DA GRATIDÃO
·         Vá ao supermercado mais próximo e agradeça pela fartura de comida disponível.
·         Vá até uma casa de saúde ou hospital e agradeça por sua saúde.
·         Ao dirigir, agradeça mentalmente cada motorista que respeita as regras de trânsito.
·         Se você tiver uma cara-metade, agradeça essa pessoa por gostar de você. Tenha o cuidado de fazer isso todos os dias.
·         Lembre-se de cada gesto amável dos seus pais.
·         Dirija-se a uma balconista numa loja e agradeça pelo atendimento.
·         Em sua casa, agradeça a todo o trabalho envolvido na fabricação dos seus móveis e utensílios e na preparação de seus alimentos.
·         Cada manhã, ao acordar, agradeça à vida e à dádiva da existência.

CANAL DA BELEZA
·         Ao ficar preso em um congestionamento, repare na beleza do céu ou no movimento dos pássaros ou nuvens.
·         Pare no pátio da escola e observe as encantadoras brincadeiras das criancinhas.
·         Descubra seu local predileto na natureza, onde possa chegar com facilidade. Lembre-se da aparência do local e de como você se sentiu bem ali.
·         Assista programas sobre a natureza na tevê.
·         Aprecie muito suas músicas favoritas.
·         Caminhe lentamente e absorva os cheiros e panoramas da natureza.
·         Perceba como um prato bem elaborado parece belo e saboroso.
·         Observe a beleza e portento das flores, em particular a grande quantidade de cores.
·         Perceba como são atraentes as pessoas de que você gosta.
·         Vá ao jardim zoológico e maravilhe-se com a variedade de animais.
·         Pressinta a beleza da Chapada Diamantina.

CANAL DO PERDÃO
·         Procure pessoas que perdoaram os outros e peça para que elas contem suas histórias.
·         Lembre-se de quando perdoou, não se esqueça de que você é capaz de fazer isso.
·         Leia livros sobre pessoas que perdoaram situações danosas.
·         Consulte se não há histórias de perdão em sua família.
·         Pratique o perdão em relação às mínimas afrontas contra você.
·         Pratique o perdão por um minuto de cada vez.
·         Perdoe o motorista que o fechou no trânsito.
·         Pense nas vezes que você fez os outros sofrerem e precisou de perdão.
·         Depois de fazer alguém sofrer, repare todas as vezes que essa pessoa é simpática com você.
·         Perceba como você muitas vezes perdoa aqueles que gosta.

CANAL DO AMOR
·         Procure as pessoas apaixonadas e sorria diante da felicidade delas.
·         Vá a um hospital e observe o amor que a família devota ao familiar que está doente.
·         Lembre-se dos momentos em sua vida em que era amado.
·         Lembre-se dos momentos em sua vida em que estava amando.
·         Telefone para um amigo e diga que gosta dele.
·         Lembre-se dos gestos de gentileza dos seus pais.
·         Pergunte-se como pode se tornar uma pessoa mais amorosa.
·         Pergunte a uma pessoa sobre quando ela se sentiu realmente amada.

Além dos meios acima mencionados para sintonizar as emoções positivas, os dois exercícios a seguir ajudarão a manter a ferrugem longe de seu controle remoto. Esses dois exercícios apresentam melhor resultado quando praticados com freqüência. Você precisará lembrar de praticá-los até desenvolver o hábito de encontrar a beleza e a gratidão naturalmente.

RESPIRAÇÃO DE AGRADECIMENTO
1.     Duas ou três vezes por dia, quando não estiver muito ocupado, diminua o ritmo da sua atividade e preste atenção em sua respiração.
2.    Repare que você inspira e expira sem ter de fazer nada.  Preste atenção no seu abdome e, ao inspirar, deixe que o ar empurre seu abdome para fora com suavidade. Ao expirar, relaxe com consciência seu abdome, para que ele amoleça.
3.    Continue respirando lenta e profundamente, repetindo o ato de três a cinco vezes.
4.    Depois, em cada uma das cinco a oito próximas inspirações, diga a palavra obrigado para lembrar da dádiva da existência e de como você é feliz por estar vivo. Muitas vezes, a pessoa sente uma forte reação quando imagina a experiência de gratidão centrada no coração.
5.    Após essas cinco a oito respirações de agradecimento, expire, deixando o abdome macio, e respire uma ou duas vezes.
6.    A seguir, recomece sua atividade regular.

Pratique o exercício relativo ao “Foco no Coração”, no mínimo, três vezes por semana.
FOCO NO CORAÇÃO

1.     Adote uma posição confortável, que possa manter por dez a quinze minutos.
2.    Comece a prestar atenção na sua inspiração e expiração. Ao inspirar, deixe que o ar empurre seu abdome para fora com suavidade. Ao expirar, relaxe com consciência seu abdome, para que ele amoleça. Por cerca de cinco minutos, concentre sua atenção nesse ato.
3.    A seguir, traga à sua mente a lembrança da experiência com uma pessoa que você amou demais, ou de uma cena da natureza que lhe impressionou pela beleza e lhe trouxe tranqüilidade. Não escolha para esse exercício alguém que você está tentando perdoar.
4.    Quando a imagem dessa experiência estiver clara em sua mente, tente reviver, no momento presente, os sentimentos associados de paz e amor. Muitas pessoas gostam de imaginar que seus bons sentimentos estão concentrados nos seus corações.
5.    Conserve esse sentimento de paz o máximo possível. Se você achar que está perdendo a concentração, volte para a etapa 1, e à subida e descida não forçada do seu abdome.
6.    Depois de dez a quinze minutos, abra lentamente seus olhos e recomece suas atividades regulares.

O PERDÃO: A PRÁTICA

         Helena era uma mulher atraente, com cerca de 35 anos, que vivia sozinha. A maioria das vezes, no meu workshop, ela permanecia sentada e calada, apenas escutando; no entanto, muitas vezes vi lágrimas nos cantos dos seus olhos. Helena disse que nunca poderia perdoar sua irmã, pois ela havia partido seu coração.
         Helena e sua irmã sempre foram muito competitivas. Joana era dois anos mais velha, e Helena lembra-se de Ter levado a pior todas as vezes. Helena relatou que, durante a infância, Joana fora a favorita dos pais. Recentemente, Helena e Joana gostaram do mesmo homem. Helena conheceu Ricardo e o apresentou para Joana. Em poucas semanas, Ricardo e Joana estavam morando juntos. Helena ficou arrasada; sentiu-se traída e nada atraente. Os pais pediram para ela tocar a vida, já que Joana e Ricardo estavam apaixonados. Perguntaram por que ela não queria que sua irmã fosse feliz.
         Helena sentia-se infeliz, pois quase qualquer coisa detonava a lembrança da sua perda. Ela também sentia-se irada, e dizia que sua irmã era vil e infame a qualquer um ao alcance da sua voz. Certo dia, perguntei a Helena porque ela se sentia perturbada se sua irmã não estava presente. Ela olhou para mim como se eu fosse louco. Afirmei: “Helena, não vejo ninguém ou nada nessa sala para que alguém se perturbe. Apesar disso, vejo que você se sente perturbada. Por quê?” Perguntei em voz alta se Helena tinha criado o hábito de sentir-se perturbada. Disse-lhe que era possível que ela tivesse se acostumado a sentir essas emoções negativas.
         Assegurei que isso era comum quando ficávamos magoados. Muitas vezes, permanecíamos paralisados no hábito de relembrar repetidas vezes a traição e os maus-tratos. Recordei a Helena que ela era a proprietária que alugava o espaço em sua mente. Fui ao quadro-negro e mostrei a Helena que sua irmã era um avião que ela estava mantendo no ar mais tempo do que o necessário antes de pousar.
         O perdão envolve a prática de estender os momentos de serenidade, inclui a decisão a respeito do que é apresentado na sua tela de tevê. O perdão é o poder que se adquire ao se entender que uma injustiça do passado não tem de causar sofrimento hoje em dia. Quando vivemos boas experiências, como certos momentos de beleza e amor, podemos perdoar aqueles que nos fizeram sofrer. O perdão é a opção de estender esses momentos para o resto da nossa vida. Ele está disponível a qualquer tempo. Está inteiramente sob seu controle. Não se baseia na ação de outras pessoas; é uma decisão que você pode tomar sozinho.
       Lembrei a Helena que sua meta era aprender como sentir-se bem com mais freqüência durante seu dia. Durante aqueles minutos em que Helena visualizava uma cena de beleza, sua irmã não poderia fazê-la sofrer. Como a ação dolorosa ocorrera no passado, o único modo de Joana voltar a fazê-la sofrer era quando Helena se concentrava no episódio da traição. Para Helena, o fato crítico era controlar sua mente e, em conseqüência, suas emoções.
         Helena aprendeu que o modo como ela se sentia estava diretamente relacionado ao que passava na sua tevê. Como Helena dava uma grande atenção à sua irmã, sentia-se subjugada pela dor. Quando perdoava a irmã, sentia-se bem ou serena. Pedi para ela imaginar que seu objetivo era estender esses momentos de paz. Disse a Helena que apenas ela tinha o poder de determinar quantos momentos de paz sentia.
            
PERT

         Ao assumirmos a responsabilidade por como nos sentimos, a primeira etapa inclui lembrar que devemos procurar pelo bom e belo da vida. Aprendemos três etapas para esse processo. Em primeiro lugar, temos de desempoeirar o controle remoto, para vermos o que está passando nos canais da beleza, da gratidão, do amor e do perdão. Em segundo, devemos praticar a “Respiração de Agradecimento” algumas vezes por dia. Essa respiração nos ajudará a relaxar, e nos lembrará que a dádiva mais importante que podemos não estar apreciando plenamente é a própria vida. Em terceiro, precisamos reservar cerca de uma hora por semana para a prática da técnica do “Foco no Coração”. Essa técnica permite desenvolver uma respiração lenta e profunda, ajuda a relaxar e ensina a assumir os bons sentimentos e trazê-los ao presente.
         Essas três etapas possibilitam que nos concentremos outra vez nos momentos positivos e impedidores dos sofrimentos ou transtornos prolongados. Esse processo não é idealizado para ser usado quando uma lembrança dolorosa ou o ato de rever alguém faz com que a pessoa se sinta significativamente perturbada. Nesse caso, é necessário uma técnica diferente. A técnica PERT é capaz de ajudar no momento que uma experiência dolorosa aparece na tela da TV.

         PERT: Técnica de recolocar em toco a emoção positiva (Positive Emotion Refocusing Technique)
         Precisamos aprender como manter a serenidade em qualquer situação, independente de quão perturbadora ela seja. Adquirimos muita confiança quando, subitamente, diante de uma situação ou lembrança dolorosa, somos capazes de manter o foco positivo. A prática da técnica PERT ajuda a manter a calma, permitindo a tomada de boas decisões.
         A prática da técnica PERT diante de um chefe furioso impede que a raiva e o sofrimento o subjuguem. Em uma via expressa congestionada, a técnica impede que a aflição piore a situação. Antes de realizar uma visita a um parente que não gosta, a sua prática permite que você decida se a visita vale a pena. Enquanto se lembra do seu pai alcoólatra, a sua prática impede que você se desespere.
         Helena praticou a técnica PERT e, lentamente, sua irmã passou a representar uma ameaça menor. Essa técnica é útil em qualquer situação em que você sente raiva, sofrimento, depressão ou amargura. Ela é praticada por alguns alunos meus quando lembram como um ex-cônjuge, pai ou mãe os maltratou. É praticada por alguns alunos meus quando acham que estão ficando transtornados por causa de um conflito conjugal. Quando você pratica a técnica PERT e mantém a calma, percebe como a mágoa começa a reduzir sua influência sobre você.
         A prática da técnica PERT leva cerca de 45 segundos, podendo ser realizada a qualquer momento e em qualquer lugar. Ninguém fica sabendo que você está praticando. Pode praticar numa discussão, para manter a calma, ou enquanto sua namorada lhe diz bye-bye. Você pode praticar quando precisa ser agressivo e fica preocupado com a reação do autor da afronta. A PERT é a técnica mais poderosa que conheço para ajudar a manter o controle das emoções. Ao praticá-la, a pessoa que o fez sofrer torna-se menos ameaçadora. Você resgata o poder dela de fazê-lo sofrer e o substitui por uma maior autoconfiança e tranqüilidade.
A PRÁTICA DA TÉCNICA PERT

       Ao sentir os efeitos de uma mágoa não resolvida ou de um problema de um relacionamento:
1.     Preste toda a atenção possível no seu abdome enquanto inspira e expira duas vezes lenta e profundamente. Ao inspirar, deixe que o ar empurre seu abdome para fora com suavidade. Ao expirar, relaxe com consciência seu abdome, para que ele amoleça.
2.    Na terceira inspiração completa e profunda, traga à sua mente a imagem de alguém que você ama, ou de uma bela cena da natureza, que lhe causa admiração e espanto. Muitas vezes, a pessoa sente uma forte reação quando imagina que seus bons sentimentos estão concentrados na área em torno do coração.
3.    Enquanto pratica, continue expirando, deixando a barriga macia.
4.    Pergunte a sua parte relaxada e serena o que você pode fazer para solucionar sua dificuldade.

Quando conheci Helena, ela se sentia bem apenas quando tramava uma vingança contra sua irmã ou enquanto se distraía. Ela era um destroço nervoso, que assistia a vários filmes todas as noites e procurava manter-se sempre ocupada. Nunca refletia a respeito de não Ter controle sobre como se sentia. Seu namorado a jogou fora e a trocou por sua irmã. Ela ficou transtornada com isso; na sua mente, esse desfecho era inevitável. Helena nunca percebeu que, dedicando mais de duas horas do dia para lamentar sua perda, iria sentir-se mal continuamente. Juntando isso ao fato de não preencher quase nenhum momento do seu dia com um gesto de gratidão, era inevitável que Helena permanecesse infeliz.
Disse para Helena que a técnica PERT era mais barata do que duas bolas de sorvete por dia. Em seu desespero, praticou a técnica fielmente todos os dias. Inicialmente, não sentiu nada, exceto o sofrimento habitual. Disse-lhe que a tarefa crucial era manter a atenção no abdome e não na aflição. Com o tempo, o sentimento positivo surgiria.
Helena praticou todos os dias, durante duas semanas. No final desse período, era capaz de pensar na sua irmã sem reagir como uma marionete sob seu domínio. Mediante a prática da técnica PERT, Helena ganhou controle sobre seus sentimentos e sentiu-se mais confiante. Quando isso aconteceu, começou a pensar a respeito do que queria para sua vida. Ela começou a perguntar-se por que estava dedicando tanto tempo à vida de Joana. Entendeu que estava alugando um espaço muito grande em sua mente para Joana. Helena também compreendeu que, se Ricardo a deixara com tanta facilidade, sem relacionamento com ele nunca teria dado certo.
         Helena não tinha compreendido nada disso nos meses em que sempre se sentia perturbada quando Joana lhe vinha à mente. A prática das técnicas PERT, “Foco no Coração”, Respiração de Agradecimento” e a sintonia no canal da beleza deram a Helena uma segunda oportunidade.  Até aprender a perdoar, Helena só tinha dado ouvidos às suas partes iradas e magoadas. Depois de praticar essas técnicas, também sintonizou suas partes amorosas e serenas. A descoberta dessas partes, que nunca tinham desaparecido, mas que somente não estavam sintonizadas, devolveu à Helena sua vida. Tenho plena certeza que essa descoberta também lhe devolverá à sua vida.
          Diversas pessoas encontram alívio por meio da prática exclusiva da técnica PERT. Elas percebem que o foco sobre a mágoa causa mais sofrimento do que o próprio autor da afronta. Pela prática das técnicas PERT, “Foco no Coração” e “Respiração de Agradecimento”, elas conservam o poder sobre suas emoções. A técnica PERT combinada com o “Foco no Coração” e a retirada do pó dos canais da beleza e do amor são ferramentas poderosas.
         Não pretendo que a técnica PERT seja uma prática autônoma, mas freqüentemente é suficiente. Porém, meus métodos para o perdão trabalham como o ato de descascar uma cebola. Descascar uma cebola leva tempo, e há muitas camadas. A primeira coisa nesse processo envolve procurar a beleza e o amor com a mesma determinação que as mágoas e sofrimentos vêm à mente. A Segunda coisa inclui praticas as técnicas “Foco no Coração” e “Respiração de Agradecimento”. A terceira abrange a prática da técnica PERT.
         O que lhe peço é para começar a prática diária das técnicas aqui apresentadas. Torne-se um cientista. Utilize sua vida como um experimento e veja como você vai se sentir melhor.  

(Resumo extraído do livro “O Poder do Perdão”, de Fred Luskin, São Paulo, Ed. Novo Paradigma, 2002 por José Ramos Coelho.)