sexta-feira, 3 de abril de 2020

AS TERAPIAS SÃO EFICAZES?

AS TERAPIAS SÃO EFICAZES?
As terapias psicológicas deixaram de ser um luxo de poucos para se tornar quase que uma necessidade de auto-cuidado. Esta mudança se deve, em parte, à perda dos referenciais simbólicos que tradicionalmente orientavam e davam sentido à existência, o que conduz inevitavelmente ao adoecimento e fragilização psicológica das pessoas – tendência que denominei de “morte da cultura” -, e também em função da democratização e proliferação de práticas terapêuticas as mais diversas.
Embora os leigos no assunto – e, inclusive, muitos profissionais do ramo – não saibam, a eficácia de uma terapia é muito variável e depende de vários fatores para se tornar efetiva e resolutiva. Alguns tratamentos conseguem ótimos resultados em 2 meses, outros em dois anos, e outros, mesmo prolongando-se ao longo de 20 anos, deixam a desejar...
Quais os fatores que explicam tamanha disparidade? Por que umas terapias são muito eficazes e outras não?
Levantaremos aqui três aspectos que, acreditamos, são determinantes para que um tratamento consiga chegar a um bom termo e em curto espaço de tempo.
Primeiro: A TRANSFERÊNCIA.
Para o filósofo Aristóteles, a filosofia surge a partir de um deslumbramento, um espanto ou admiração pelo saber. Quando admiramos algo, o objeto de nossa atenção nos envolve e seduz e somos atraídos por ele. O próprio termo “filosofia” (philos = amor, amizade; Sophia = sabedoria) enfatiza essa relação entre o saber e os sentimentos e emoções.
Neste sentido, ajuda sobremaneira, seja numa relação entre um médico e seu cliente, ou um terapeuta e seu experienciante (a pessoa em tratamento), que haja um clima de confiança, admiração ou afeto entre eles. Freud denominou esse fenômeno de transferência, a qual consiste em deslocar sentimentos vivenciados no passado, notadamente nas relações parentais, para um relacionamento no presente. Por exemplo: se eu tive um pai ausente, sinto a tendência a procurar suprir essa falta nas relações futuras – e o encontro de um terapeuta que ocupe esse lugar simbólico de um pai pode despertar em mim o desejo inconsciente de reviver uma relação mal resolvida e. talvez, solucioná-la.
Sem dúvida, uma relação de estima e confiança entre o profissional e quem o procura é um fator importante no sucesso do tratamento. Entretanto, se o terapeuta dispuser de uma metodologia multifunção e eficaz, pode contornar uma eventual ausência de transferência, analisando as produções estéticas, as escolhas, as projeções, os conceitos, etc. Com efeito, cada pessoa desloca ou se projeta em tudo o que faz, escolhe ou imagina, e numa simples visualização criativa é possível ter um raio X de toda a sua vida psíquica.
Segundo: A ABORDAGEM.
Essencial também é o tipo de abordagem ou enfoque que se adotará. Se ela visar a combater apenas os sintomas, sem investigar e eliminar as suas causas, embora o tratamento possa iludir a pessoa em tratamento durante certo tempo, ao final redundará necessariamente em frustração.
Jamais os sintomas devem ser vistos como inimigos. Eles, na verdade, são amigos mensageiros. Trazem preciosas pistas e informações sobre a pessoa em sofrimento psíquico. Se uma pessoa apresenta algum comportamento obsessivo (TOC), por exemplo, uma preocupação excessiva pela limpeza, de nada adianta tentar controlar esse comportamento ou eliminá-lo sem descobrir os vestígios de sujeira, culpa, pecado ou nojo na mente e que alimentam esse comportamento compulsivo, fazendo da limpeza exterior uma tentativa compensatória de eliminar uma sujeira interior.
Procurar um profissional em busca de um diagnóstico e um remédio para um sofrimento psíquico seria tão insensato quanto tentar desvendar um assassinato limpando a cena do crime e despachando o corpo sem antes fazer uma investigação minuciosa da causa mortis e coletar todos os vestígios ou elementos possíveis que possam chegar aos autores do homicídio e suas motivações.
Fuja de diagnósticos, rótulos e classificações. Eles só irão aprisioná-lo.
Terceiro: O MÉTODO.
Ainda mais importante do que os itens anteriores é a questão do método a ser seguido no tratamento. Trata-se aqui do caminho ou meios que se adotará para atingir a cura.
Imagine um mecânico experiente incumbido de consertar um carro, dispondo apenas de uma chave de fenda. Por mais entendido que ele seja de mecânica, dispor de um único instrumento lhe impõe uma séria limitação. Se ele dispusesse de uma caixa completa de ferramentas, ampliaria enormemente a sua capacidade de reparo.
Algumas terapias usam como único recurso a linguagem (terapias psicanalíticas), outras o corpo (terapias corporais). É evidente que um terapeuta, dispondo de um leque amplo de recursos terapêuticos - e sabendo como bem utilizá-los – alcançará resultados notáveis com muito mais facilidade e eficiência do que outro que não os conheça ou os utilize.
Quanto o mais o profissional cultivar uma mente aberta ao novo, aprender e assimilar novos recursos, tanto mais se capacitará a ser um verdadeiro curador.
E o mais importante: não acredite em quem não tenha aplicado em si aquilo que prega. Para que alguém posa legitimamente conduzir outros num processo de cura, é preciso que ele mesmo tenha percorrido e completado o seu percurso.
Um terapeuta é como um guia turístico da alma: para conduzir com segurança e maestria os demais nas paisagens da vida, é preciso que, antes, ele mesmo tenha conhecido todas as regiões e os caminhos que irá percorrer.
José Ramos Coelho – 11/08/2019

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