sexta-feira, 22 de maio de 2020

A FALÊNCIA DO HOMO SAPIENS E A MORTE DA CULTURA


Uma mentira sozinha é apenas uma mentira. Uma mentira compartilhada é uma verdade coletiva (Filosofia das Fake News).
Um dos equívocos mais longevos e duradouros da história - oriundo de uma tradição que remonta a Sócrates, Platão e Aristóteles - consiste na definição do homem como um animal racional (bios logoin).
Esse erro milenar alcançou a sua consagração máxima na filosofia cartesiana com a tese do “cogito, ergo sum”: penso, logo existo. Definindo o homem como uma “coisa pensante”, Descartes eleva a razão à categoria de essência humana, propondo ainda a matematização do saber e os fundamentos do paradigma científico em vigor desde o início da modernidade.
Essa tese da racionalidade humana começou a ser combatida com vigor pelo filósofo Schopenhauer, sendo retomada a seguir por Nietzsche e aprofundada pelo pai da psicanálise, S. Freud e muitos outros. Para Schopenhauer, a razão é tão somente um instrumento usado pelos humanos na luta pela sobrevivência. O motor do agir humano reside, segundo ele, não na razão, mas sim na vontade. Pouco mais tarde, Freud dirá algo semelhante ao formular a sua teoria das pulsões, especialmente a pulsão de vida.
Em sendo verdade o homem não ser propriamente um animal racional, o que ele é afinal? Um animal simbólico, afirma Ernest Cassirer, numa profunda e abrangente definição que engloba tanto o aspecto da racionalidade propriamente dita, operacionalizada através da linguagem e da lógica, quando o pensamento mítico, mágico e religioso, que é viabilizado pelo uso de símbolos.
Após a psicanálise desvendar a dinâmica do psiquismo e a comprovação pelo comportamentalismo de quão moldáveis e influenciáveis os animais e os humanos são, iniciou-se experimentos de modelagem do comportamento humano e de controle de consciências. O extraordinário sucesso da propaganda política pelo nazismo e sua transposição para a propaganda comercial e a venda de produtos, transformou os indivíduos em massa de manobra, ávidos e fervorosos adeptos de uma nova servidão voluntária. O servo pós-moderno é explorado no trabalho e no lazer, servidão que é tanto mais eficiente quanto é completamente ignorada.
O iluminismo, representante mais ilustre da modernidade, porém, conduziu a humanidade a uma encruzilhada perigosa, na qual se constata a falência e ruína de seus princípios, valores e propósitos. A sociedade racional e científica transformou o homem numa mera peça de uma engrenagem monstruosa. O criador foi devorado pela criatura que ele mesmo criou. Se antes a técnica era um instrumento de quem a utilizava, hoje o homem é um servo da técnica, quer queira ou não.
A situação chegou a um ponto tal que a impressão generalizada que se tem é a de estarmos regredindo à Idade Média, com a volta das pestes, o conflito entre os religiosos e os cientistas, o terraplanismo, os preconceitos e fanatismos mais arraigados, etc.
Na verdade, estamos diante do embate entre dois fundamentalismos – e cada um deles tem as suas vulnerabilidades. Vejamos quais são elas.
O fundamentalismo religioso está avançando no sentido de reapropriar-se do poder político do Estado e seus aparelhos, do qual fora banido a partir das teses de Maquiavel, da burguesia liberal e dos iluministas.
É dogmático e combate a ciência. Para alcançar seus objetivos, recorre a todos os expedientes, especialmente às fake news. Arregimenta aliados no estamento político e tenta impor os seus propósitos ao conjunto da sociedade, manipulando a consciência de seus fiéis através de uma organização extremamente eficiente e do uso de hipnose coletiva.
Aqueles que surfam associados a ele disseminam informações do tipo: “A terra é plana”. “Ingerir detergente mata o coronavírus”. “O coronavírus é uma gripezinha”. Essas afirmações absurdas não são percebidas como tais em virtude da perda de referenciais confiáveis. Vivemos numa espécie de neoprotagorismo, onde a verdade é o que se afigura a cada um, de acordo com o seu ponto de vista. O indivíduo é que sabe a medida do que é verdadeiro ou não.
Ora, com a disseminação de fake news produziu-se uma síndrome generalizada de distorção perceptiva da realidade a partir da manipulação de consciências através de algoritmos obtidos pela venda de dados de perfis pessoais. Hoje quem pensa é na verdade pensado, quem escolhe é na verdade conduzido a escolher a partir das informações manipuladas que recebe pelas redes sociais e que orientam as suas escolhas. A vida digital que estamos vivendo é a prova mais cabal de que os humanos não são seres racionais. É inútil tentar demover alguém pertencente a esse grupo de suas crenças. Não é apenas a repetição de uma mentira que pode fazê-la parecer uma verdade. Uma mentira sozinha é apenas uma mentira. Uma mentira compartilhada é uma realidade coletiva. Vivendo em “bolhas”, esses grupos criam as suas verdades e fazem delas o sentido de suas vidas. O poder avassalador desta crença é tão intenso que pode induzir alguém à tirar a própria vida, como as trinta pessoas que vieram a óbito ao ingerir detergente para lutar contra o coronavírus.
No extremo oposto, temos o fundamentalismo da racionalidade: cientistas, políticos, técnicos, pensadores que combatem essas fake news com base em argumentos científicos e racionais. E porque dizemos que essa perspectiva é um fundamentalismo? Porque, como as fake news, atua como um vírus, reformatando a cultura e a tradição.
O vírus da racionalidade é extremamente perigoso. Ele não é propriamente um organismo biológico, mas um software – um conjunto de instruções, informações e procedimentos interligados, formando uma totalidade articulada em torno de um objetivo.
Ao espalhar-se pelos diversos estratos sociais, enfraquece as tradições, dissemina a dúvida e o poder corrosivo da crítica. Ao longo da história, esse programa criou a linguagem escrita e o dinheiro, a partir dos quais a civilização tornou-se possível. A linguagem e o dinheiro viabilizaram o surgimento da técnica e da ciência, tal qual a conhecemos. Como resultado de tudo isso temos um planeta onde os últimos recursos naturais estão sendo devastados, a biodiversidade dizimada, os rios, mares e ares poluídos, uma civilização que busca o crescimento a todo o custo em detrimento da saúde da Terra, e uma humanidade onde uma ínfima minoria detém o monopólio da riqueza e uma imensa maioria vive na miséria. A hipertrofia da ciência e da técnica provocou uma atrofia de valores e de ética, uma insensibilização dos afetos, a ponto de assistirmos a tudo isso sem qualquer indignação ou revolta.
Dir-se-ia, no entanto, que nada disso tem a ver com a racionalidade e a ciência. O avião é um invento neutro, nem bom nem mau. Se usado para aproximar as pessoas, tornar-se-ia benéfico. Se empregado para lançar bombas, um veículo da morte. Mas as coisas não são simples assim. A visão que uma pessoa adota da realidade se altera caso ela caminhe a pé, a cavalo, de carro ou avião. O meio muda a mensagem. O caminho afeta o caminhar e o andarilho.
A invenção da escrita alterou os afetos e as relações sociais, produzindo o pensador solitário e independente. A criação da moto-serra ampliou infinitamente a devastação da flora. As indústrias empestaram o ambiente com resíduos e poluentes.
Somos uma civilização de seres narcísicos, solitários, ansiosos, depressivos, individualistas e adoradores do sucesso e da aquisição de bens materiais. A vida moderna embruteceu os indivíduos, atrofiou a solidariedade e a compaixão pelas diversas formas de vida e os outros seres.
Temos assim dois grupos de fundamentalistas, cada um dos quais se julgando o detentor da verdade.
Essa perda da capacidade homeostática da cultura, na qual os fundamentalistas religiosos usam até o nome do Cristo para disseminar o ódio e os preconceitos mais insanos, e os cientistas põem todo o seu gênio criativo a serviço da criação de uma tecnologia altamente predatória e nefasta ao meio ambiente, é uma eloqüente expressão da morte da cultura.
A pandemia do coronavírus veio para explicitar a falência de valores do homo sapiens, e a necessidade urgente da adoção de uma nova filosofia de vida e visão de mundo, onde a humanidade abandone o papel de câncer letal e metastático do planeta, e rume em direção a uma pós-cultura onde imperem a solidariedade e a empatia entre os humanos. E as leis da economia estejam subordinadas aos princípios vitais da ecologia.
O que estamos vivendo resulta da destruição dos mais remotos ambientes naturais do planeta, onde os vírus habitam. Se deixarmos os vírus em paz, respeitando a Natureza, as plantas e os animais, a humanidade pode reencontrar o caminho da sobrevivência.
Caso a devastação continue, certamente será extinta pelos próximos vírus.
José Ramos Coelho – 05 de maio de 2020.

MORO, O HERÓI DA GLOBO

Moro, o herói da Globo,
TRAIU a Constituição enquanto era juiz, conforme fartamente comprovou a Vaza-Jato do Intercept;
TRAIU o Brasil ao associar-se ao Departamento de Justiça dos EUA e destruir a infra-estrutura e as grandes empresas nacionais, levando ao desemprego milhoes de trabalhadores;
TRAIU o Bolsonaro enquanto Ministro da Justiça, após ajudá-lo a eleger-se ao afastar o Lula da disputa e esfaqueando o Presidente pelas costas, assim que pediu demissao;
E, finalmente, TRAIU a Deputada Carla Zambelli, sua sobrinha de casamento, ao divulgar conversas particulares entre os dois.
E, diante dessas traições em série, você acredita que ele é ainda um herói?
Desculpe: só sendo um globopata.

A ÉTICA DO VÍRUS


Qual é a responsabilidade ética do coronavírus - um bichinho nanométrico, invisível, que nem sequer é tido pelos biólogos como um ser vivo?
Não estou a fazer piada ou brincar com vocês, queridos leitores. Coloco essa pergunta em função do surgimento, nos EUA, de processos bilionários exigindo reparação aos chineses pela disseminação do covid-19.
É evidente que o comportamento de um vírus está fora das categorias do que é ético ou não. Para que esses processos possam ter algum sentido e não caiam no ridículo, seria preciso nacionalizar o vírus - chamá-lo de “chinês” - e provar que foi fabricado em algum laboratório de biotecnologia da China.
Pois bem: digamos, contrariando o que dizem os cientistas respeitáveis de todo o mundo, que essa hipótese esdrúxula fosse verdadeira. Então seria preciso explicar porque os chineses, ao fabricarem essa criatura, iriam soltá-la em seu próprio território a fim de exterminar os próprios chineses. Um acidente involuntário?
Segundo ponto. Mesmo que essa narrativa fantasiosa prosperasse, os chineses poderiam argumentar: “Certo. Eu pago se antes vocês indenizarem a humanidade pela morte de um quarto da população mundial em função da gripe espanhola” (que, apesar do nome, surgiu nos EUA).
Veremos em breve o surgimento de uma disputa jurídica planetária, no contexto de uma guerra comercial entre os EUA e a China, visando a hegemonia global?
Acho bastante plausível, nesses tempos estranhos e insólitos.
A verdade é que esse novo vírus mata indistintamente a todos - velhos ou jovens, brancos ou pretos, ricos ou pobres, orientais ou ocidentais. Se há algum sentido nessa força cega da natureza que devasta a humanidade, é explicitar as doenças e mazelas da civilização, especialmente o abismo profundo entre ricos e pobres, e o impacto devastador da presença humana no planeta.
Talvez esse segundo fato explique porque o vírus surgiu num país com a densidade demográfica da China e numa região tão tecnologicamente avançada como Wuhan.
José Ramos Coelho – 26/04/20

OS EMISSÁRIOS DO CAOS


O mundo caminha para uma encruzilhada. Analisando a partir do que se passa no Brasil, a escolha de uma figura como a de Bolsonaro para Presidente da nação encerra em si um sentido aparente e outro oculto. Há muito tempo, quando ainda deputado, profetizou: a situação só vai melhorar com a morte de pelo menos umas 30.000 pessoas... Sua militância em prol da liberação e venda de armas, as ameaças de metralhar os opositores, o discurso de ódio, preconceito e desprezo pela democracia, o meio ambiente e os direitos humanos – tudo converge para um cenário apocalíptico de destruição, extermínio e luto.
Não há dúvida que o mundo atual está seriamente enfermo. Caracterizei esse fenômeno como a “morte da cultura”, ou seja, os valores que guiam o comportamento das pessoas e deveriam ser a sua bússola norteadora, perderam a sua eficácia e função de propiciar o bem-estar e o equilíbrio ao sistema. Ocorre exatamente o contrario: a visão de mundo dominante está levando a humanidade ao precipício.
Já vimos isso ocorrer, de forma exemplar, com a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e o desastre global que se seguiu. Não é por acaso que, tanto na forma como no conteúdo, haja em vários pontos uma sintonia entre o discurso do Presidente do Brasil com o dos nazistas: ambos, embora apelassem para o militarismo, a ordem e o autoritarismo, no fundo eram movidos pelo fascínio do caos – ou instrumentos inconscientes da entropia.
A propagação mundial do coronavírus acelerou esse processo destrutivo e está desnudando muitas coisas a respeito da fragilidade da estrutura estabelecida. Como algo tão minúsculo, que nem é considerado um organismo vivo, pode subjugar aquele que se considerava o centro e senhor da criação?
A pandemia demonstra claramente a tese que há anos defendemos: a cultura, a fonte de imunidade da humanidade, está enferma. Ela perdeu a capacidade de nos proteger e regular a sociedade enquanto totalidade orgânica. Os valores vigentes estão lançando uns indivíduos contra os outros, uma nação contra as demais. E, nesse ambiente dividido e conflituoso, o vírus vem como um tsunami para levar a conflagração ao seu desfecho final.
Diante da pandemia, as nações, cada uma à sua maneira, tentam adotar medidas para conter o avanço do vírus. Todos os presidentes negacionistas, como Trump e Boris Jonhson, voltaram atrás - este último, lamentavelmente, jaz numa UTI em estado grave após ter minimizado o perigo que se alastrava. O governo brasileiro, em todo o planeta, é o único que continua desdenhando da gravidade e deliberadamente sabota as iniciativas que visam a controlar a dispersão da doença. Incentiva continuamente as pessoas a saírem de suas casas, e, ao mesmo tempo, protela as medidas de ajuda financeira que permitiriam aos mais vulneráveis manterem a quarentena. Age como um parceiro do vírus, como o seu facilitador institucional.
Nesse sentido, ele não está sozinho. Todos os que nele votaram, consciente ou inconscientemente, são enamorados da pulsão de morte, sentem o fascínio do caos. A opção pelo ódio é, no fundo, uma expressão distorcida e alterada do medo e pressentimento da autodestruição. Só odeia aquele que se sente ameaçado. Quem ama não teme. É solidário, tranqüilo, conciliador.
Como o Brasil, em poucos anos, de um próspero país emergente, o mais otimista em relação ao futuro, o lugar para onde os jovens da Europa se dirigiam em busca de emprego e uma renda melhor, se transformou nessa terra devastada, onde cada um procura se salvar como puder?
De um lado temos o Lula, um pacifista, generoso, conciliador e progressista. Do outro Bolsonaro, belicoso, cruel, criador interminável de dissensões e crises.
Não há dúvida de que o vírus no Brasil encontrou um grande parceiro e facilitador. A classe médica brasileira, a qual em peso elegeu Bolsonaro, já sabe disso. Desesperadamente defende as determinações da OMS e os preceitos da ciência. Faltou antevisão aos doutores que extinguiram o programa "mais médicos"..
Eu não sei se seus apoiadores já perceberam isso ou não. Mas o empilhamento dos cadáveres que ocorrerá em breve e o medo da morte que inevitavelmente se seguirá, fará sem dúvida cair a ficha dos últimos renitentes.
De fato, é do torvelinho do liquidificador que surge uma nova mistura. É do caos que nasce uma nova ordem. Será melhor ou pior? Vai depender da opção pela solidariedade e o cuidado consigo e com o próximo, ou pelo egoísmo sem fundo e a cobiça inesgotável pelo lucro.
José Ramos Coelho – 10/04/2020.

A GLANDE TEM MUCOSA?


É amplamente disseminado que o coronavirus penetra no organismo humano pela mucosa da boca, nariz e dos olhos.
Mas imagine a cena: você, homem, vai a um supermercado, toca em corrimãos, carrinhos de compras, manuseia produtos e, na saída, sente uma súbita vontade de urinar. Abre a porta do sanitário, vai ao mictório, baixa o zíper, pega no pênis (epa!), urina segurando-o (epa!) e, ao concluir, o balança ou espreme (epa!), veste-se e vai embora.
Pergunta de leigo intrometido: o coronavirus não pode penetrar no organismo pela mucosa da glande? Por que há mais homens infectados do que mulheres? E por que muitos sofrem de diarreia como um dos sintomas?
São dúvidas ociosas de um filósofo em quarentena😌
José Ramos Coelho - 08/04/2020