quinta-feira, 18 de julho de 2013

OS PECADOS CAPITAIS - a Ira



OS PECADOS CAPITAIS - a Ira.

Ira, do latim ira = cólera, fúria, impulso agressivo contra alguém ou alguma coisa, podendo manifestar-se por meio de palavras cortantes ou atos agressivos. Grande destruidora da harmonia social, a ira frequentemente gera crimes de violência, com todas as suas consequências nefastas. Definida como um ”apetite desordenado de vingança”, é considerada pecado quando atenda contra a razão e a justiça.

Na cosmologia de Empédocles, filósofo grego, todo o universo é regido pela alternância do governo de duas forças: o amor ou a Amizade (Philia e Afrodite) e o ódio ou a discórdia (Neîkos). Quando atua o amor, todas as coisas tendem à unidade e à mistura; com a chegada do ódio, todos os elementos se separam e tornam-se distintos. No nosso mundo, tal como se apresenta, teríamos uma fase de transição onde essas duas forças estariam agindo concomitantemente. Num certo sentido, Sigmund Freud retomou a dualidade empedocleana ao sustentar, em sua última teoria das pulsões, a existência de duas forças atuando no psiquismo: Eros e Tânaros. Este último conceito, tal como o entende Freud, é muito semelhante à concepção do filósofo grego.

Profundamente arraigada nas estruturas mais primitivas do cérebro, a ira é uma das emoções mais poderosas. Uma vez ativada, a ira desencadeia uma descarga de adrenalina e cortisol no organismo, colocando-o num estado de prontidão para a defesa ou o ataque. Um dos seus efeitos imediatos é bloquear a capacidade pensante e tornar a pessoa refém de seus reflexos e impulsos mais primitivos.

Podemos distinguir entre uma ira boa ou virtuosa e uma ira viciosa. A ira virtuosa surge através de uma necessidade de fazer prevalecer a justiça ante a ocorrência de uma injustiça ou violência, geradora de indignação. É justificável nos casos de legítima defesa, quando a própria vida ou mesmo a de terceiros está em perigo, ou nos casos de “guerra legítima”, quando se tenta preservar a própria vida ou a própria liberdade frente aos desmandos e a violência de um invasor espúrio. A indignação torna-se o motor de uma revolta, fornecendo a energia necessária para se reagir contra ameaças, abusos ou violências cometidas. Visa a suprimir o mal perpetrado e a restabelecer a justiça e a equidade.

Já a ira viciosa se dá quando alguém adota a estratégia de ser violento a fim de impor a sua vontade e os seus desígnios, sem que o outro tenha dado qualquer motivo para tanto. Usando de violência, ameaças ou intimidação, tenta dobrar à força a vontade alheia.

Este comportamento violento acende nos outros a fogueira da ira, ocasionando um incêndio infindável de destruição que se retroalimenta, oscilando entre a violência e a vingança, geradora de mais violência.

O que gera, em nossos dias, o comportamento agressivo dominado pela ira? As razões mais frequentes são, de um lado, uma formação onde impera a injustiça, a arbitrariedade ou a violência, ou, de outro, a existência de pais negligentes e ausentes. A ausência parental pode causar uma intensificação da ansiedade que muitas vezes tem o efeito de ativar impulsos raivosos e destrutivos. Quando explode, o raivoso sente um alívio ao liberar a sua tensão interna através de gestos ou palavras. Contudo, este seu comportamento explosivo fica gravado em suas células e, toda a vez que sentir-se ansioso, ver-se-á impelido a explodir novamente para livrar-se de suas tensões e conflitos.

Esta emoção primitiva torna-se muito perigosa quando se mescla a justificações racionais ou a ideologias políticas ou religiosas que visam a fundamentá-la ou justificá-la. Desta forma, a ira se infiltra nos pensamentos e na concepção de mundo da pessoa, podendo exercer sobre ela um controle absoluto, dominando-lhe os sentimentos, os pensamentos e as ações.

Paradoxalmente, porém, o que mais frequentemente nos irrita e atiça a nossa reprovação é ver os outros adotando os comportamentos que realizamos ou desejamos inconscientemente fazer e condenamos ou reprimimos em nós mesmos. A visão no outro daquilo que, em nós, achamos inaceitável e inadmissível, pode desencadear – especialmente naqueles que não percebem a natureza deste processo de projeção da própria sombra no outro - um poderoso impulso de negação e destruição.

A propósito, o termo jihad, traduzido frequentemente como “guerra santa”, na verdade quer dizer “vencer a si mesmo”, “domar o fogo interior”. Antes de condenar, acusar ou agredir alguém, devemos parar e pensar: será que eu não faço a mesma coisa que condeno no outro? A compreensão dos mecanismos projetivos é um poderoso antídoto contra a ira.

Um remédio eficaz contra a ira é o autocontrole, que repõe a mente num clima de serenidade, onde o sujeito decide livre da coação de paixões primitivas e desenfreadas.

(José Ramos Coelho)

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