quinta-feira, 18 de julho de 2013

OS PECADOS CAPITAIS - a Gula

OS PECADOS CAPITAIS – a Gula

Do latim gula = garganta, goela, paladar e, daí, gula. 

A gula é o prazer desmedido em comer e beber, que avilta o homem por assemelhá-lo ao animal. A gula escraviza o espírito e prejudica a saúde do corpo.

O pecado da gula se torna claro quando contextualizado no campo das relações sociais. Numa família, por exemplo, o irmão guloso tende a tomar para si e abocanhar uma quantidade maior do que aquela que, em justiça, lhe caberia. O guloso não pensa nos demais, movendo-se unicamente pelos ditames imperativos de seus próprios impulsos.

O excesso que adoece o guloso poderia salvar a vida de um faminto. Enquanto uns se empanturram, muitos morrem de fome. É uma afronta à ética.

Por outro lado, a maior fonte de sofrimento e de ansiedade do guloso decorre da pressão social sobre ele exercida em função de padrões estéticos coercitivos: o aumento de peso corporal amiúde corrói a sua autoestima, tornando-o alvo de reprovação, críticas e bullying.

Nas últimas décadas, devido à ditadura da beleza, estão se disseminando duas patologias preocupantes, especialmente entre os adolescentes: a bulimia (gula seguida de vômito) e a anorexia (abstinência pelo pavor de engordar). O guloso, de fato, pode morrer pela boca.

O que motiva a gula? O guloso é movido de um lado por uma carência afetiva e, de outro, pela ansiedade. Guiado por instintos arcaicos, acumula mais alimentos do que precisa na suposição inconsciente de que, caso venha a passar fome, já dispor de uma boa reserva de nutrientes.

Mas basicamente a gula rege-se por uma carência de ordem afetiva. Com efeito, desde o útero o infante aprende a associar a afetividade com a alimentação. Esta relação perpetua-se após o nascimento no processo de amamentação, quando a mãe, enquanto dá o seio ao bebê, lhe transmite também amor e aconchego. Assim, ao crescer, o guloso frequentemente reativa esta associação: quando está carente, come para receber amor. A gula é um deslocamento (metonímia) do todo (o convívio amoroso) para a parte (o alimento degustado).

A tragédia do guloso é que, quanto mais come para livrar-se de sua carência e ansiedade, mais se sente desamparado (por ser alvo de rejeição social e zombarias) e ansioso (em função da culpa e arrependimento por ter se excedido) – o que, por sua vez, lhe suscita ainda mais fome... A perpetuação deste processo retroalimentado pode descambar para uma obesidade mórbida.

As tradições espirituais de todos os povos adotam como antídoto à gula a prática regular de jejuns. O jejum faz bem ao corpo (propicia um descanso ao aparelho digestivo) e à alma (é um exercício de liberdade frente à gula).

O ritual de jejuar limpa o corpo e a mente de todos os entulhos que embaçam a sua lucidez, inserindo o ato de comer numa dimensão santificada e transformando a mesa num altar.

O remédio contra a gula é a sobriedade. Santificar os alimentos é comer de forma frugal e compartilhada. Isso desenvolve a fraternidade e a generosidade. Desta forma, o comer reintegra-se à sua amorosidade original, transformando-se num ritual de integração social.

O antigo nome do banquete = convivium¸ convivência, estar com os demais convivas, viver ao lado de outros, alude a um aspecto essencial do comer enquanto rito de integração. Este compartilhar contribui para eliminar a carência de onde se origina a gula. O alimento deve ser, sempre que possível, compartilhado.

(José Ramos Coelho)

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