PSICOLOGIA DO GADO
O entendimento da idolatria de grande parcela da população ao “mito”
extrapola em muito os limites da economia e da qualidade de vida. Por que quase
1/3 da população brasileira ainda apoia o inominável? Qualquer pessoa
minimamente bem informada sabe que o governo atual é útil apenas para uma
parcela ínfima do povo. Se a economia fosse a razão e suporte de tão expressivo
apoio, apesar do fracasso retumbante em todos os níveis, ele teria menos de 5%
de apoio entre os brasileiros. Mas não: continua firme e forte entre os seus
apoiadores. O que explica a adesão dos demais?
Conheço pessoas que perderam o emprego, tiveram seus negócios falidos,
pioraram consideravelmente de vida – mas, mesmo assim, continuam votando no
“mito”. Trata-se daquele tipo de fascínio que é imune a qualquer argumento
razoável e racional. Estão vacinados contra a lucidez, o bom senso e a civilidade.
Há, contudo, uma explicação para esse comportamento aparentemente
absurdo e intrigante. E a origem disso reside na psicologia do inconsciente.
‘Narciso acha feio o que não é espelho”, afirmou Caetano Veloso. Há algo
de singelo e profundo nesta frase do genial poeta e compositor. Esta afirmação
está ligada à teorização de Freud acerca dos dois tipos de amor: o narcísico e
o de apoio (anaclítico). O amor narcísico é o amor do semelhante pelo
semelhante. O anaclítico é aquele em que gostamos de quem nos apoia, nos
respeita, nos considera.
Pois bem. Todos devem conhecer alguém que vive preso a um relacionamento
em que o parceiro maltrata, machuca, trai o outro e, mesmo assim, o outro não
consegue deixar de gostar e largar o relacionamento abusivo. Esse é um típico
caso de atração narcísica: o parceiro maltratado e desconsiderado se identifica
com o lado “mau” do companheiro, e no fundo gostaria de ser como ele. Quem o
vê, acha que ele é masoquista e “gosta de apanhar”. Esse é, na visão de Freud,
um relacionamento narcísico (o lado mau de um admira e cultua o lado mau do
outro).
Outras pessoas, no entanto, quando descrevem quando encontraram o seu
príncipe ou princesa, falam que o romance foi se construindo aos poucos. De
início não chamaram atenção. A cada encontro, percebia algo cativante n@ outr@
- um jeito de olhar, uma disponibilidade protetora e amiga, alguém em quem se
podia confiar. A presença do outro transmitia confiança e bem estar. Essa é a
típica atração anaclítica (de apoio).
Aí reside a força que o “mito” exerce sobre os seus seguidores. Quando
ele faz discursos racistas, quando elogia torturadores, ameaça matar
opositores, humilha as mulheres, esse comportamento politicamente incorreto, ao
invés de enfraquece-lo, tem o efeito exatamente contrário: realimenta a ligação
narcísica entre o “mito” e quem o idolatra.
Por que ele é mais popular entre os homens do que entre as mulheres?
Porque a maioria dos homens teme as mulheres, não confia nelas, gostaria de
tê-las sob o seu domínio e controle, cometendo todo o tipo de abuso e, mesmo assim,
elas continuassem sendo as suas Amélias. As outras que o apoiam se identificam
com a sua crueldade, pois trazem em si uma crueldade reprimida, que o outro
exibe sem nenhum pudor.
Por que a classe média, mesmo perdendo qualidade de vida, continua a apoiá-lo?
É porque observa que os aeroportos não estão mais apinhados de gente simples -
aquelas que trocaram a viagem de ônibus pelo avião - e que, agora, está mais
fácil de pagar um salário baixo a uma empregada ou de submetê-la a condições
degradantes, pois ela está sem ter como se virar se perder o emprego. Ruim com
ele. Pior sem ele.
Quando o “mito” exalta o assassinato e a tortura, fazendo acenos
golpistas, a mensagem explícita de tirania ressoa profundamente no tiranete que
habita cada um de seus seguidores – seja a patroa que gostava de humilhar a
empregada, o homem abusador que aprecia humilhar ou assediar as mulheres, a
pessoa de pele clara que, para se sentir superior, ofende os negros ou pardos,
tratando-os como se fossem inferiores. O lado tirânico da multidão se
identifica com a tirania do líder.
Os estudiosos de psicologia do inconsciente, ao pesquisar o efeito das
campanhas de propaganda realizadas para dissuadir os fumantes do vício,
constataram algo paradoxal e estarrecedor: aquelas imagens terríveis de
enfermos em estado terminal, coladas no verso da carteira, ao invés de
desestimular o consumo dos cigarros, ativava uma parte do cérebro chamada de
“núcleo accumbens”. Essa região é despertada na presença de algo motivador – um
alimento, um estímulo sexual, um vício... Se a maldade é erotizada, comportamentos
imorais e abusivos deixam essa parte do cérebro excitada e acesa.
Nesta conformidade, todo poder de fascinação do “mito” reside na
ativação desse “núcleo accumbens”. É por isso que, dia sim e outro dia também,
o inominável precisa reincidir em algum crime, falar alguma asneira, cometer
alguma obscenidade. E, por esse motivo, não há razão ou argumento que consiga
demover alguém de continuar apegado ao seu ídolo.
Mas nem tudo no bolsonarismo ê maldade explícita: há também o apelo a
Deus, à pátria e à família. Nesse ponto, a identificação é pelo medo: pessoas
conservadoras temem perder seus privilégios ou ver periclitar os valores e os
bens que constituem a base de sua vida. Assim, compreende-se o empenho,
especialmente no meio religioso conservador, em disseminar o perigo do
homossexualismo, do aborto, da pedofilia. Esse apelo serve de base à narrativa
de pertencimento ao exército do bem, em luta contra o mal (os outros, os
comunistas, os pervertidos, os corruptos, etc.). O que há ou não de hipocrisia
e cinismo nesse discurso é devidamente dissimulado através de um marketing
cuidadosamente dirigido e planejado.
Desta forma, com base tanto no ódio quanto no medo, consegue-se distorcer a imagem do Cristo, associando-o à intolerância, ao ódio e às armas.
"O sono da razão produz monstros" (Goya)
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