sexta-feira, 22 de maio de 2020

OS EMISSÁRIOS DO CAOS


O mundo caminha para uma encruzilhada. Analisando a partir do que se passa no Brasil, a escolha de uma figura como a de Bolsonaro para Presidente da nação encerra em si um sentido aparente e outro oculto. Há muito tempo, quando ainda deputado, profetizou: a situação só vai melhorar com a morte de pelo menos umas 30.000 pessoas... Sua militância em prol da liberação e venda de armas, as ameaças de metralhar os opositores, o discurso de ódio, preconceito e desprezo pela democracia, o meio ambiente e os direitos humanos – tudo converge para um cenário apocalíptico de destruição, extermínio e luto.
Não há dúvida que o mundo atual está seriamente enfermo. Caracterizei esse fenômeno como a “morte da cultura”, ou seja, os valores que guiam o comportamento das pessoas e deveriam ser a sua bússola norteadora, perderam a sua eficácia e função de propiciar o bem-estar e o equilíbrio ao sistema. Ocorre exatamente o contrario: a visão de mundo dominante está levando a humanidade ao precipício.
Já vimos isso ocorrer, de forma exemplar, com a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e o desastre global que se seguiu. Não é por acaso que, tanto na forma como no conteúdo, haja em vários pontos uma sintonia entre o discurso do Presidente do Brasil com o dos nazistas: ambos, embora apelassem para o militarismo, a ordem e o autoritarismo, no fundo eram movidos pelo fascínio do caos – ou instrumentos inconscientes da entropia.
A propagação mundial do coronavírus acelerou esse processo destrutivo e está desnudando muitas coisas a respeito da fragilidade da estrutura estabelecida. Como algo tão minúsculo, que nem é considerado um organismo vivo, pode subjugar aquele que se considerava o centro e senhor da criação?
A pandemia demonstra claramente a tese que há anos defendemos: a cultura, a fonte de imunidade da humanidade, está enferma. Ela perdeu a capacidade de nos proteger e regular a sociedade enquanto totalidade orgânica. Os valores vigentes estão lançando uns indivíduos contra os outros, uma nação contra as demais. E, nesse ambiente dividido e conflituoso, o vírus vem como um tsunami para levar a conflagração ao seu desfecho final.
Diante da pandemia, as nações, cada uma à sua maneira, tentam adotar medidas para conter o avanço do vírus. Todos os presidentes negacionistas, como Trump e Boris Jonhson, voltaram atrás - este último, lamentavelmente, jaz numa UTI em estado grave após ter minimizado o perigo que se alastrava. O governo brasileiro, em todo o planeta, é o único que continua desdenhando da gravidade e deliberadamente sabota as iniciativas que visam a controlar a dispersão da doença. Incentiva continuamente as pessoas a saírem de suas casas, e, ao mesmo tempo, protela as medidas de ajuda financeira que permitiriam aos mais vulneráveis manterem a quarentena. Age como um parceiro do vírus, como o seu facilitador institucional.
Nesse sentido, ele não está sozinho. Todos os que nele votaram, consciente ou inconscientemente, são enamorados da pulsão de morte, sentem o fascínio do caos. A opção pelo ódio é, no fundo, uma expressão distorcida e alterada do medo e pressentimento da autodestruição. Só odeia aquele que se sente ameaçado. Quem ama não teme. É solidário, tranqüilo, conciliador.
Como o Brasil, em poucos anos, de um próspero país emergente, o mais otimista em relação ao futuro, o lugar para onde os jovens da Europa se dirigiam em busca de emprego e uma renda melhor, se transformou nessa terra devastada, onde cada um procura se salvar como puder?
De um lado temos o Lula, um pacifista, generoso, conciliador e progressista. Do outro Bolsonaro, belicoso, cruel, criador interminável de dissensões e crises.
Não há dúvida de que o vírus no Brasil encontrou um grande parceiro e facilitador. A classe médica brasileira, a qual em peso elegeu Bolsonaro, já sabe disso. Desesperadamente defende as determinações da OMS e os preceitos da ciência. Faltou antevisão aos doutores que extinguiram o programa "mais médicos"..
Eu não sei se seus apoiadores já perceberam isso ou não. Mas o empilhamento dos cadáveres que ocorrerá em breve e o medo da morte que inevitavelmente se seguirá, fará sem dúvida cair a ficha dos últimos renitentes.
De fato, é do torvelinho do liquidificador que surge uma nova mistura. É do caos que nasce uma nova ordem. Será melhor ou pior? Vai depender da opção pela solidariedade e o cuidado consigo e com o próximo, ou pelo egoísmo sem fundo e a cobiça inesgotável pelo lucro.
José Ramos Coelho – 10/04/2020.

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